Eliade Pimentel

25/02/2021 10h58
 
Quando a coragem chega a ser marca registrada
 
 
Mal completara 18 anos e já estava com a mochila nas costas, rumo ao primeiro encontro de estudantes de comunicação. Antes mesmo de passar no vestibular, já sabia que queria conhecer Recife, a capital pernambucana, e se programara para ir naquele evento, agendado fazia tempo. Um professor de inglês era formando e passara o bizu aleatório. Acabou que as aulas extras deram certo e a moça determinada garantiu sua vaga no curso tão almejado. 
 
Futura jornalista, atual militante e viajante para variar um pouco. Nordeste, Sudeste e Sul. Regiões, estados, cidades deste Brasil varonil, visitados por uma menina loura baixinha que aprendeu rapidinho a trilhar as estradas do seu país. Coragem? Tinha pra mais de mil. De vária formas angariava recursos para suas viagens aos encontros de estudantes, algumas passagens foram desmembradas e resultaram numa turnê interestadual. Numa dessas, recém-chegada da capital do Ceará, mal trocara o conteúdo da bagagem e sumiu ladeira abaixo, rumo ao Rio de Janeiro.
 
A mãe temerosa: “menina, vai alguém te buscar na rodoviária?” Claro, d. Helena, tenho coragem de andar sozinha não, na cidade maravilhosa. Outra mãe atendera ao telefone divulgado para inscrições, o fixo (única opção na época) na casa de um dos militantes, que pela questão do ofício sempre estava pelo mundo afora. De modo que desceu no ponto certo, mas com informações erradas do destino, e quase ia parar num outro lugar bem diferente. Abrindo um parêntese para dizer que a moça é nascida no estado do Ridijaneiro, cidade de Volta Redonda. Alegria de retornar a sua terra é sempre em dobro.  
 
Com a graça que acompanha os viajantes, deu tudo mais do que certo. Teve direito a um show singular de Paulinho da Viola, na praia de Copacabana, e teve o choro incontido de emoção ao andar sozinha naquele lugar tão deslumbrante, mágico, caladinha no busão, agarrada à mochila. Única bagagem, além do colchonete pendurado. Aprendera a reduzir tudo, para que o peso não sobrepujasse ao prazer de conhecer novas paisagens, pessoas diferentes e vivenciar culturas diversas. E nas andanças descobriu que muitas vezes é preciso sair - literalmente - da zona de conforto. 
 
Para crescer, para se auto afirmar como adulto, é preciso pensar fora da caixa. Agarrar as oportunidades, enxergar as possibilidades, sair de dentro do seu eu por uns minutos e se imaginar fora do contexto atual. Sonhar, planejar, ousar. A garota do curso de jornalismo foi moldando sua personalidade. De menina frágil, introvertida, envergonhada com tudo, metamorfoseou-se para uma mulher sem papas na língua, que briga, que chora, que surpreende pela força que tem. Essa busca não foi e não está sendo fácil.
Ao decidir sair para morar com um casal de amigos, era apenas uma bolsista da universidade. Mais uma vez a mãe questionara: “vai sair de casa com 65 reais?” Não, vou sair com a cara e a coragem. E se foi, buscar um lugar em que o verbos viver e curtir pudessem ser conjugados juntos. Muitas vezes é preciso quebrar os paradigmas para se viver o que se deseja. Não esperar ganhar o primeiro quinhão para experimentar sair da situação que lhe oprime. Ao mesmo tempo, se é possível conciliar, ninguém é obrigado a nada. A melhor coisa a se buscar na vida é o equilíbrio e o bom senso. 
 
Não adianta caminhar na maré cheia. Nem aguardar que a maré seque demais. Pode ser uma maré morta, de lua minguante ou crescente. Mais uma vez, é bom reforçar o quanto se aprende olhando como as coisas funcionam. Como as pessoas agem. Como a natureza se comunica. Como os ciclos se renovam. Para ter coragem, é preciso cortar tudo o que não importa e se apegar ao pouco que realmente acrescenta. Tirar a trave do olho, para enxergar o futuro. É preciso saber dizer sim nas condições pouco favoráveis, e saber dizer não nas situações pouco confortáveis. 
 
Só para entender o porquê de trabalhar a coragem de viver, de enfrentar seus próprios inimigos: por mais que se comente, que se estude, que se discuta, não se sabe ainda o porquê de estarmos nesta dimensão, neste plano, de termos nascido, porque estamos nesta família e não na outra, enfim... Então vamos deixando essa preguiça de lado, essa tristeza, esse desânimo e vamos ali passar uma noite num acampamento, só para você se sentir a pessoa mais abençoada do mundo, que tem um canto para morar e dormir com conforto. Ô coisa danada de boa é viver, mas é preciso ter coragem!    
 

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