Théo Alves

03/01/2021 00h09
 
Só mais três dias
 
 
No livro Silêncio, que reúne ensaios e escritos do maestro John Cage, ele conta uma história em tom de anedota sobre um rapaz que buscava a iluminação zen em uma ilha no Japão. Depois de três anos e não tendo alcançado o que buscava, o jovem decide ir embora. O mestre diz a ele: “já que você ficou por três anos, por que não fica mais três meses?”. O jovem aceita, mas segue sem sucesso. O mestre lhe propõe mais três semanas. Ainda sem sucesso, o mestre zen propõe: já que você ficou aqui por três anos, três meses e três semanas, fique mais três dias e se, ao final desse período, você não tiver alcançado a iluminação, cometa suicídio”. Ao fim do segundo do dia, o jovem rapaz finalmente alcançou a elevação que buscava.
 
O humor sombrio de Cage em tom anedótico nos põe diante de uma questão básica especialmente nos tempos de hoje: às vezes nos falta a disposição de encarar o perigo, de enfrentar as situações-limite que nos obrigam a crescer porque não há outra possibilidade.
 
Obviamente a proposta de suicídio é um exagero, um elemento para aprofundar a densidade do humor assombroso proposto pelo maestro. Mas a verdade sobre os acontecimentos que nos empurram para a frente é uma realidade que muitos de nós temos evitado. 
 
Nossas gerações se acostumaram a um excesso de positividade, como propõe o filósofo alemão-coreano Byung Chul Han. É preciso explicar aos que não estão familiarizados ao conceito de Chul Han que a positividade aqui não tem o sentido que parece propor. O excesso de positividade é o excesso de possibilidades de coisas a serem feitas. Isso nos leva a sensação de que tudo o que fazemos não é ainda suficiente porque sempre há mais para se fazer. 
 
É diante desse excesso que nos encontramos frente à ausência de negativas. Como é o caso de crianças e adolescentes que se habituaram a viver sem receber nãos de seus pais ou da escola, por exemplo. Isso dá a elas a sensação de que tudo lhes é permitido, não tendo assim a obrigação de lidar com frustrações e interdições, necessárias para um desenvolvimento pessoal e social saudável. 
 
Possivelmente, um jovem em busca de iluminação nos dias de hoje não teria a paciência de esperar nem os três anos iniciais da história. Ela precisaria cair diante de seus pés sem grande esforço, talvez num download ou via streaming, que qualquer espera gera desinteresse imediato, cansaço, tédio. 
 
Dessa forma, as chances de chegar a uma situação limítrofe como a proposta pela anedota de Cage são muito pequenas neste momento do mundo. Infelizmente. Porque talvez este seja o momento ideal para nos colocarmos em uma situação na qual retroceder não seja uma possibilidade. Esta parece ser bem a hora das revoluções, das revoltas, de criar uma nova ordem e dar início a um mundo de outras possibilidades.
 
Hoje, são apenas os três primeiros dias de um novo ano, o que me faz pensar na situação do jovem em busca do zen. Fato é que ainda temos tempo de encontrar a iluminação, mas o relógio já está em suas últimas voltas.
 
 

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