Eliade Pimentel

10/12/2020 08h40
 
Consumo e consumismo: o excesso nos consome 
 
Ganhei um liquidificador outro dia que tem uns 15 anos de uso e está muito bem, obrigado. Na verdade, minha amiga o emprestou, por tempo indeterminado, visto que ela comprou outro. Por quê? Minha indagação instantânea, diante do fato de que o aparelho está em perfeito estado. “Ah, ele é antigão, modelo bem retrô, tava enjoada dele e comprei outro”. Por me conhecer muito bem, ela riu e disse que combinava comigo. 
 
Agradeci, claro, e fiquei muito feliz por resolver esse meu problema doméstico, pois há muito tempo eu estou nessa enrolação com meus aparelhos quebrados. Quando encontro o copo de um, a base já não funciona, e eu na tentativa de resolver com o que tenho em casa, não tive o ímpeto de comprar um novo. Continuarei na tentativa de resolver o que tenho em casa, para enfim devolvê-lo e também para equipar minha casa de locação temporária, que ficou sem esse item quase imprescindível para uma cozinha. 
 
Conversando com minha filha, que me dá uma certa frustração por não pensar parecido comigo em muitas coisas, ela me alertou, falando que me incomodo demais com as relações que as pessoas a minha volta têm com o consumo. É verdade que já tive embates nesse sentido com muita gente: desde minha mãe, que comprava de um tudo e não fazia questão de usar, nem de doar, às minhas irmãs, que gastam dinheiro com tingimentos capilares, roupas e acessórios, e amigas minhas por esses motivos semelhantes e também por não valorizarem o que é de graça, ou quase de graça. 
 
Com todas essas pessoas, minha crítica sempre tem a ver com as consequências drásticas que esse tipo de comportamento revela, a olho nu: quando o consumo vira consumismo e consome além do orçamento doméstico. Quantas vezes me chamaram de rica, fina e poderosa porque estou por aí, curtindo a vida adoidado, me refestelando em alguma fita prazerosa (trilhas, praias, cervejinha, pé na areia). 
 
Faço isso porque não gasto dinheiro, por exemplo, com meu cabelo, e a maioria das minhas coisas (roupas e acessórios) são usadas, e minhas casas são supridas com móveis e outras cositas de segunda mão (ou até que já passaram por inúmeras mãos). Ah, outro fator bastante economizador em minha vida simples e saudável: uso o transporte público e só muito de vez em quando eu peço um carro por aplicativo. 
 
Quando a pessoa enjoa de um liquidificador, que por 50 contos às vezes compra-se outro, vá lá. Até porque ela (a dona do aparelho) teve uma atitude maravilhosa de compartilhá-lo. Porém, o que mais me incomoda é quando a pessoa enjoa do piso e tem toda uma trabalheira para trocar, gastando uma fortuna para isso, ou resolve mudar todos ou quase todos os móveis da casa, ou simplesmente ignora a manutenção e compra logo outro objeto ou eletrodoméstico. 
 
Mas, eu me preocupo sobretudo com o meio ambiente. Quando se consome demais, os resíduos vão se acumulando na natureza. Sim, mas vamos fazer o que se precisamos consumir? Buscar alternativas para minimizar essa necessidade. Se o sofá está velho, antes de comprar outro, experimente jogar uma manta. Compre novas capas para as almofadas e tchau. A sala vai ficar novinha em folha. 
 
Esses dias, eu estava realmente enjoada da minha geladeira e do meu fogão. O refrigerador, apesar de ter sido comprado na loja, estava desgastado devido à maresia, e o fogão, ah esse herói, que eu uso desde 2009, foi adquirido no vuco-vuco no bairro do Alecrim (comércio tradicional de usados) e funciona super bem. Desconheço um forno tão bom. Pois bem: problema resolvido. Conheci um rapaz que trabalha com envelopamento e ainda tive a ideia de pedir desconto: usa seus retalhos de adesivo, para fazer um precinho. Ficou da hora. 
 
A casa e a cômoda, originária também do vuco-vuco, ganharam coloração nova. No meu próprio quintal, descobri umas tintas, que meu irmão ganhou de uma amiga e não deu destino. Aos poucos, estou me organizando. No meu jardim, eu invisto apenas o suficiente. Certa vez, quis comprar adubo numa flora perto de casa e o proprietário foi bastante honesto. Ele disse que no meu terreno eu tenho terra fértil em abundância, gerada pelo substrato orgânico das folhas, galhos e frutas. 
 
Se eu fosse uma consumista, ia nem dar ouvidos ao comerciante e com certeza iria comprar os saquinhos que ele tem na loja. Gente, por favor, menos é mais. Quantas vezes terei de esbugalhar os olhos nas minhas discussões sobre esse assunto. A gente consome para não ser consumido. Não o contrário. 
 
 

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