Théo Alves

06/12/2020 00h02
 
Seu microfone está desligado
 
 
Esta é a primeira crônica de dezembro de 2020. Um ano cheio de singularidades, iniciado sem muita pretensão, mas que tomou rumos imprevisíveis e se tornou, certamente, o ano mais peculiar de todas as gerações que ainda estão vivas neste momento.
 
Como acontece em todos os anos, e até neste, dezembro inaugura o período de reflexões a respeito do ano que passou e da criação de expectativas para o próximo, carregadas de rituais, de amenidades e de uma possível disposição para sermos melhores. Mesmo que essa disposição chegue à segunda semana de janeiro rastejando em seus estertores.
 
Certamente há muito o que pensarmos a respeito deste ano e boa parte disso, infelizmente, passa pelos devastadores efeitos da pandemia de Covid 19 que enfrentamos tão mal. Não podemos deixar de pensar nas cenas quase cinematográficas vistas no mundo todo, no entanto devemos nos voltar muito para as cenas dantescas que vimos em nosso país: o caos nos hospitais, o colapso do sistema funerário de algumas cidades, famílias sendo dizimadas, pessoas que não puderam se despedir dos seus mortos, tanta coisa dolorosa a mais.
 
Também vimos um 2020 de alguma esperança, de pessoas que conseguiram encontrar no confinamento alguma tranquilidade e disposição para iniciarem processos de autoconhecimento, para estarem com suas famílias, cuidarem de seus entes queridos e desacelerarem do ritmo absurdo dos dias. Artistas puderam transformar a angústia e incerteza destes tempos em necessárias leituras da realidade e perspectivas de futuro.
 
Mas é verdade que este não foi um ano apenas de Corona Vírus. Muitas das tragédias que enfrentamos eram puramente humanas, como é o caso das várias agressões ocorridas em shoppings e supermercados em vários pontos do Brasil motivados por racismo. Entre tantos, o último assassinado foi João Alberto, de 40 anos, espancado até a morte por dois seguranças às vésperas do Dia da Consciência Negra. Tenho a certeza de que se Alberto fosse branco, teríamos um assassinato a menos nas costas de 2020. 
 
É preciso dizer que este ano empilhou também tragédias políticas, desde a conduta genocida do governo federal na luta contra a pandemia, incentivando as pessoas a saírem de casa, ignorando as medidas sanitárias necessárias, criando dificuldades tremendas para o auxílio emergencial aos cidadãos e pequenas empresas. Como esquecer algumas das falas mais tristes da história do país: “E daí, quer que eu faça o quê? Eu não sou coveiro”, por exemplo.
 
Desastres ambientais em terra e mar, as queimadas no Pantanal, que teve um terço de sua área devastado pelo fogo enquanto se tentava culpar indígenas, ONGs e até Leonardo de Caprio encorpam essa lista de horrores pendurados em 2020.
 
Mas entre tantas coisas, talvez a frase que melhor resuma este ano seja “seu microfone está desligado”. Quem não disse ou ouviu isso muitas e muitas vezes não viveu 2020 direito, afinal o trabalho, as reuniões de família, com os amigos, as lives... as nossas formas de comunicação com o mundo de fora passaram um bocado pelos testes de vídeo e áudio.
 
Então, como dezembro abriu a porta há pouco, convém mesmo refletir sobre nosso peculiar 2020. É bem possível que, depois de toda a matemática desse processo, cheguemos à conclusão de que, se temos muitas coisas para reclamar do ano, certamente 2020 tem muito mais a reclamar de nós.
 
 
 

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