Bia Crispim

27/11/2020 00h03
 
E vovó se fez amiga do governador
 
 
Hoje essa coluna é dedicada a minha Mãe, Dona Isaura, meu maior exemplo de mulher e de ser humano.
 
“Amai, Normalista, amai!
Vossa espinhosa carreira.
Serás como mãe e pai
Pra criança brasileira.”
 
Minha Mãe escreveu esta estrofe em um poema intitulado “Normalista”. Tinha 13 anos na época. Sonhava em ser professora.
 
Aos 14 anos a primeira etapa do sonho realizou-se, foi substituir uma professora que tirara licença maternidade no Grupo Escolar do Sítio Rio Salgado, zona rural de Cruzêta, cidade onde minha Mãe morava com meus avós e irmãos. Ela é a filha mais velha de seis.
 
Acordava às cinco da manhã, deixava o café pronto, preparava-se para sair. E dos fundos da casa de Vovô, pegava uma canoa guiada por um dos meus tios, pequenos ainda, para conduzí-la à outra margem.
 
Lá chegando, ainda andava léguas. Atravessava um rio (às vezes com água pela cintura), conduzindo alguns alunos, para poder chegar à escola.
 
Após um ano e meio, resolveu mudar-se da cidade para o Sítio Rio Salgado, onde meu bisavô, Egídio, morava. Não teria mais que atravessar o açude, o obstáculo agora era só o rio, que de tão cheio, às vezes, impedia que a menina, agora com quase 17 anos, realizasse seu sonho de magistério.
 
Aí entra minha avó, Martiniana, nessa história. 
 
Vendo que a menina dava pra coisa, ela resolveu intervir.
 
Apesar de ela e Vovô serem bacurais doentes – como se diz por aqui – Vovó resolveu “mudar de lado”, “virar a casaca” e se aliar aos amigos do governador Dinarte Mariz.
Não é que deu certo. A viagem de canoa, conduzida por Ti’Paulo, Ti’sis ou Ti’fonso, já não existia mais e a travessia do rio para chegar à Escola Isolada João Francisco do Sítio Rio Salgado estava com seus dias contados. 
 
A segunda etapa do sonho estava para acontecer. Completado 18 anos e com a promessa política conquistada por Vovó e sua “amizade com o governador”, minha Mãe é nomeada como funcionária efetiva  do Estado do Rio Grande do Norte. Era uma professora de fato.
 
A jovem normalista recebeu a nomeação das mãos do próprio governador.
 
Não sei se depois disso a amizade de Vovó com ele continuou, mas a professorinha, ah!, desta eu tenho o que falar.
 
Tornou-se mestra exemplar, realizou o sonho de criança e hoje, aposentada após quase cinquenta anos de labuta, ainda se lembra dos anos em sala de aula, quando, na cozinha, a pego cantando:
 
“Vestida de azul e branco
Trazendo um sorriso franco
Num rostinho encantador.
 
Minha linda normalista
Rapidamente conquista
Meu coração sem amor”...
 
 

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