Eliade Pimentel

05/11/2020 20h47
 
Porque a liberdade incomoda tanto
 
Ser livre para mim é viver sem amarras. É vestir o que eu quiser, é criar a minha filha do jeito que eu acho que deve ser, é responder não apenas o que me perguntam, mas ao que perguntam a quem não sabe a resposta ou errou a resposta. Ser livre para mim é poder falar com as pessoas, indistintamente. Eu puxo assunto com todo mundo, eu respondo todo mundo que me aborda, eu ajudo as pessoas e me permito ser auxiliada. Ser livre é uma escolha.  Eu evito ao máximo deixar de fazer algo porque acho que as pessoas podem interpretar mal.
 
Infelizmente ser livre incomoda. As pessoas taxam umas e outras como "sem noção" porque se vestem "em desacordo" com o corpo ou a idade. Mulheres falam mal uma das outras. Se estão solteiras, chamam de encalhadas. Se namoram muito, dizem que não vivem sem macho. Os homens criticam as mulheres por motivos os quais não lhes pertencem. As pessoas vão desfiando ódio e veneno sobre tudo e todos. Eu enxergo essas nuances das relações pessoais no cotidiano e sigo. Repreendo às vezes um comentário maldoso. Ou apenas ouço e sublimo.
 
Por ser escolha pessoal, a liberdade está aberta a todos e todas. Não é a prisão que nos faz aprisionados. São nossas ideias. E assim, vamos gastando em excessos de vaidades porque não somos livres para nos aceitar com o cabelo, as unhas, a bunda, os peitos, a pele que temos. Vamos gastando em excesso de roupas, de sapatos, de acessórios, porque achamos que nossa colega de trabalho repara se estamos repetindo o look do dia.
 
Vamos deixando de comer isso ou aquilo porque não somos livres para fazer nossas próprias escolhas. Seguimos com o mesmo marido, a mesma mulher, o mesmo caso, a mesma amante, o mesmo rolê, porque não somos livres para dizer basta. Seguimos levando uma vida padrão porque nos impuseram um formato, um jeito de ser, igualzinho todo mundo, e o fazemos sem reclamar. Não sou livre para gritar, para dizer que não suporto mais, que por favor tire seus pés da minha cabeça.
 
Sim, muitas vezes somos tão oprimidos que nos sentimos pisoteados. Mas, a cada situação de opressão que nos ocorrer, temos de lembrar que somos seres autônomos. A autonomia nos permite ser quem quisermos ser. É com muita alegria que assisto ao desabrochar de algumas pessoas, que de uma hora para outra mudam de casa, de país, de sexo, de parceiro ou parceira, de profissão. O sabor de ser livre é tão bom que eu me sinto grata quando partilho essa sensação. A liberdade nos deixa leves.
 
Sabemos que a verdade dói, ouvi-la também dói. Por isso é melhor deixar quieto certas verdades. Porém, existem casos em que é preciso abrir a boca. Aliviar o medo e a tensão. Isso nos torna mais leves também. Falar o que pensamos. Liberdade de expressão. Dificilmente aceito uma verdade sem explicação. Eu sou meio desconfiada. Coisa de jornalista-raiz, que busca mais de uma fonte. Do contrário, perde-se muita coisa.
 
Por exemplo, ao aceitar a primeira verdade dita quando eu estava grávida, sobre auxílio-maternidade, perdi o direito aos quatro meses de salário. A liberdade de ser o que quisermos ser e de estar onde queremos estar nos impele a questionar, indagar, para depois fazermos a escolha que acharmos melhor. Nada imposto é bem deglutido. E assim, ao valorizarmos a liberdade, temos condições de viver melhor. Mais e melhor.
 
Não me refiro ao tempo, pois não somos senhores e senhoras do nosso destino, da nossa existência, refiro-me ao fato que vivermos com mais consciência do que nos faz bem. Eu tenho uma amiga que sempre sonhou estudar idiomas. Ela fez intercâmbios no exterior quando já era casada e com filha pequena. Até hoje, adulta, madura como eu, vejo publicações dela atestando esse jeito de ser, livre de amarras. Claro, ela enfrentou muita língua ferina sobre como ela viajaria para tão longe deixando a filha pequena.
 
Se ela tivesse ouvido a voz do povo, teria ficado trocando fralda e fazendo mamadeira, em vez de percorrer seu sonho de falar inglês em processo de imersão. Eu a respeito e a admiro muito. E ela também a mim. Somos tão diferentes e nos amamos tanto justamente porque nossa admiração e nosso respeito é recíproco. Ela e eu somos exemplos claros do quanto ser livre incomoda às pessoas. Aquelas que não conseguem dar um passo sem pensar no que os outros pensarão.
 
Se a tua vida não está legal, pense sobre o que pode estar te incomodando. E se livre das amarras. Veja quais as aparas devem ser cortadas. Solte-se e seja livre. Mais uma vez falo em terapia. Se não conseguir jogar para fora o que não lhe pertence, procure ajuda. Viva e deixe as pessoas ao seu redor viverem. A liberdade incomoda tanto porque causa inveja. Porque nada é mais rico do que ser livre. Beijos e até a próxima.  
 
 

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