Andreia Braz

01/08/2020 11h07
 
 
Revisitando o passado
 
 
 
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
                                                           Gonzaguinha
 
Depois de uma longa e agradável viagem de carro, de Garanhuns até Natal, eu chegava para morar na capital do sol. Domingo, 01 de agosto de 1993. Tinha doze anos e aquela viagem me marcou para sempre. Uma das coisas mais fascinantes do trajeto foi quando vi o mar pela primeira vez. Fiquei encantada com aquela imensidão e aquele azul desconcertante. Tal qual Zila Mamede quando esteve diante do mar pela primeira vez, na praia do Pina, em Recife. Eu estava diante da praia de Tambaú. Foi em João Pessoa que conheci o mar, pela janela do carro. 
 
No final de 2018 fiz uma rápida viagem e João Pessoa e jamais imaginaria que, quase trinta anos depois, desfrutaria de uma manhã de sol naquela mesma praia. Estava em companhia do meu irmão Cícero e de nosso amigo Sandro Alves, professor de língua portuguesa, crítico de cinema e jornalista que, assim, como eu, é apaixonado pelo mar. Aquela água morna de Tambaú é uma delícia! Outro dia escrevi em uma de suas redes sociais sobre a alegria daquela manhã de sábado e o desejo e de retornar. Um tempo que aliás parece tão distante por causa da pandemia, que nos impede de fazer coisas simples como ir à praia com os amigos, tomar uma cerveja gelada e contemplar o mar. 
 
Voltando a minha chegada em Natal. Depois de uma longa viagem chegamos ao nosso destino. Viemos eu, minha mãe de criação, Terezinha, e minhas irmãs Ana Isabel e Cristina. Fomos trazidos por Maria Eugênia, minha irmã, e seu esposo Jorge, que partiu há alguns anos. Ele ajudou muito nossa família nessa época. Em seguida chegaria nossa mudança e o restante da família. A ideia era buscar novas oportunidades na capital e deixar para trás tempos difíceis vividos antes e depois do divórcio dos meus pais. Em Garanhuns ficaram meu pai, Luiz Gonzaga, e seus dois irmãos, Neuza e Zeca, todos eles já falecidos. Tia Neuza foi uma daquelas mulheres que dedicou a vida a cuidar da família. Sua alegria e disponibilidade para ajudar eram sua marca registrada. Jamais será esquecida. Os almoços de domingo em sua casa eram maravilhosos! Minha mãe biológica, Maria Braz, também ficou por lá (nos encontraríamos 28 anos depois).
 
Inicialmente ficamos na casa de Eugênia, que, apesar de ter quatro filhos na época, nos acolheu e nos ajudou da melhor forma possível. Também contamos com o apoio de outras duas irmãs que já moravam em Natal, Angélica e Cícera. Lembro com muito carinho o tempo em que morei na casa de Angélica, que também acolheu outros irmãos nossos. Lembro, também, dos passeios ao shopping com minha irmã Adriana e seu esposo Ramon. (As viagens para Recife, alguns anos depois, jamais foram esquecidas. Sou muito grata por tudo que eles fizeram por mim e por todas as coisas boas que me proporcionaram. Foram tantas brincadeiras, passeios e banhos de mar com meus sobrinhos Júlio e Beatriz, que não vejo há uma década e de quem sinto muita saudade. Lembro quando fomos assistir “Procurando Nemo” no Shopping Guararapes... Lamento por estarmos distantes há alguns anos e gostaria muito de poder conviver com eles). 
 
E o fascínio pelo mar continuava. A ida à praia dos Artistas com Angélica marcou demais aquela época. Os domingos eram sempre muito especiais. Passávamos o dia quase todo na praia. E haja picolé de Caicó! Os meus sabores prediletos eram amendoim e coco. Sempre que vou à praia, o que é muito raro hoje em dia, jamais deixo de comprar um picolé de coco. Talvez para lembrar de uma época especial, de tantas alegrias e descobertas. A alegria das coisas simples. A ginga com tapioca também faz parte do cardápio praiano, e a água de coco ainda é sagrada. 
 
Depois de um tempo morando na casa de Eugênia, surgiu a oportunidade de construirmos nossa própria moradia. E não demorou muito para que fosse erguida uma casa de posse nas margens da BR 101. Mesmo ainda sem piso e água encanada, fomos para o nosso novo lar e aos poucos tudo foi se ajustando. E ainda teve espaço para mais um integrante na família. Paulo Sérgio, amigo de Sebastião, um dos meus irmãos, veio morar conosco porque sua situação não estava nada fácil em Garanhuns. Ele escreveu uma carta e pediu uma oportunidade para tentar construir uma vida melhor em Natal. Felizmente, conseguiu, e hoje, além de trabalhar como vigilante, construiu algumas quitinetes para alugar. Admiro muito a coragem dele e seu constante desejo de evolução.
 
Com a casa nova, no entanto, também surgiram alguns desafios. Além da falta d’água, sofremos por alguns anos com a ameaça de demolição, pois a construção foi erguida numa área irregular. Presenciamos a demolição da casa de alguns vizinhos e também nos sentíamos ameaçados, mas não tínhamos escolha e lutamos até o fim para permanecer ali. Até que um dia a autorização foi obtida e os moradores conseguiram a documentação de suas casas. Nessa época alguns irmãos conseguiram construir a casa própria, também em terrenos de posse. Mas o importante é que hoje todos vivem dignamente, com a ajuda da família e/ou com o fruto do seu próprio trabalho. A união foi fundamental para que chegássemos até aqui. 
 
Apesar de todas as dificuldades por que passamos, sou muito grata por ter tido a oportunidade de estudar e por tudo que conquistei, o que para alguns não têm muito ou nenhum valor porque não sou concursada nem possuo imóvel, carro. Mas isso não importa. Somente nós sabemos o que enfrentamos para conquistar o pouco que temos, o que para mim já é suficiente. 
 
Jamais esqueço de onde vim e, principalmente, que vivemos em um país marcado por uma profunda desigualdade social, que aliás foi escancarada com a pandemia do novo coronavírus; então ganhar o suficiente para viver com dignidade tem um grande valor para mim. Gostaria que milhares de pessoas nesse país pudessem ter ao menos isso para viver com a dignidade necessária a todo ser humano. E, claro, acesso aos equipamentos culturais, ao lazer, e poder aquisitivo para comprar livros, um artigo de luxo para alguns e também a chave para uma melhor compreensão da realidade em que vivemos.
 

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