Andreia Braz

27/06/2020 11h59
 
Do otimismo
 
 
 
Eu apenas queria que você soubesse
Que aquela alegria ainda está comigo
E que a minha ternura não ficou na estrada
Não ficou no tempo presa na poeira
                                                     Gonzaguinha
 
Costumo dizer que sou uma pessoa de muita sorte, e tenho constatado isso de diversas formas no meu dia a dia, seja conseguindo uma carona quando estou atrasada para algum compromisso, seja num encontro inusitado no aperto de um ônibus, numa boa conversa na fila de um banco, no sorriso sincero do encontro não planejado... Acho que felicidade mora nas coisas simples, e “[...] poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas)”, como disse Manoel de Barros.
 
Não sei se o meu otimismo e a postura de tentar não reclamar muito da vida têm a ver com isso, ou se é pura sorte mesmo. Bem, cada um interpreta as coisas a sua maneira. Essa é minha forma de encarar a vida, e tem dado certo até hoje. Um jeito meio Pollyanna de ser, diriam alguns. Enquanto uns acham esse lance de otimismo uma bobagem, outros cultivam o pessimismo e preferem ser chamados de realistas. De minha parte, mesmo nas situações mais adversas, procuro sempre ver o lado positivo das coisas. Afinal, mesmo que seja algum aprendizado as dificuldades podem nos deixar como legado. Prefiro pensar que a gratidão é sempre o melhor caminho. Li em algum lugar que “agradecer é a arte de atrair coisas boas”. 
 
Pode soar estranho para alguns, mas encarar a vida com otimismo é também, de algum modo, preparar-se para a morte, é lembrar da nossa finitude e de que não teremos todo o tempo do mundo para dizer a algumas pessoas o quanto são importantes para nós ou mesmo fazer determinadas coisas com essas pessoas, como uma um simples passeio ou uma viagem, por exemplo. Estamos quase sempre adiando coisas importantes, como se a vida pudesse esperar pelo nosso tempo, pela nossa disponibilidade. “A vida transcorre enquanto é adiada”, escreve Sêneca em carta a Lucílio. E, quando menos esperamos, recebemos a notícia de que um parente ou amigo querido partiu de repente. Às vezes, não há tempo para despedidas. Por isso, tenho procurado seguir à risca o conselho do filósofo Sêneca: “abraça todas as horas”. Essa é uma das muitas reflexões que compõem o livro de cartas Edificar-se para a morte, um belo tratado sobre a valorização da vida e de como aproveitar o tempo que nos resta.
 
Ultimamente, tenho pensado muito sobre isso e, na medida do possível, tenho procurado estar mais perto das pessoas que amo e demonstrar, de alguma forma, meu sentimento por elas. Sei que ainda não vejo alguns familiares e amigos com a frequência que gostaria, mas tenho me esforçado para isso. É o tipo de coisa que não quero mais adiar. Afinal, não sabemos até quando teremos nossos amigos e familiares conosco. Nesse aspecto, me parece que a vida funciona mais ou menos assim: hoje encontramos uma pessoa na maior alegria, mas não sabemos se voltaremos a encontrá-la novamente, para uma boa conversa, um café ou o que quer que possa nos unir outra vez. E isso eu já senti na pele algumas vezes, quando recebi a notícia da morte repentina de alguns amigos. Uma das histórias mais marcantes foi a de Daniele, uma amiga do curso de Letras. Dois meses antes de sua partida, ela me telefonou para tratar de um assunto de trabalho e não mencionou nada sobre problemas de saúde. Imaginei que estivesse realmente tudo bem, como ela fez questão de frisar. Resolvida a questão profissional, combinamos de nos encontrar em seu apartamento para degustarmos um vinho e colocar o assunto em dia. Infelizmente, não pude realizar esse desejo. Também não pude lhe entregar o presente de aniversário que havia comprado alguns dias antes. 
 
E talvez por essa (in)certeza em relação ao amanhã é que procuro encarar a vida com leveza e tranquilidade, e, independentemente do que aconteça, procuro sempre manter o otimismo e exercitar a gratidão. Não, isso não é uma receita de vida feliz ou coisa do gênero, mas uma “fórmula” que tem me ajudado a encarar as intempéries com a certeza de que há um tempo para tudo e que é preciso saber entender que a dor, a frustração, também fazem parte do nosso crescimento. Acho que a vida é curta demais para deixarmos que alguns sentimentos negativos possam suplantar a alegria e a esperança que devem conduzir nossa existência. Afinal, “Somos nós que fazemos a vida / Como der, ou puder, ou quiser”, como nos ensina o mestre Gonzaguinha. 
 
 

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