Bia Crispim

12/06/2020 00h03
 
Os dados estão na mesa
 
 
A convite de uma amiga para participar, esta semana, de uma reunião do Mulheres do Seridó (grupo que discute políticas públicas para as mulheres na região), fui incumbida de levantar dados sobre a situação da violência contra as mulheres trans/travestis no estado. 
 
Sabia que iria me deparar com números que talvez eu preferisse que não existissem, mas como eles existem (apesar de subnotificados), vamos conhecê-los para que, de alguma maneira, esses dados possam servir para fomentar a criação de políticas públicas para o enfrentamento contra a violência e o descaso que as mulheres trans/travestis vivenciam diariamente. 
 
Os dados estão na mesa...
 
O transfeminicídio, nome dado à tentativa de assassinato ou ao assassinato de mulheres trans/travestis, se manifesta em números crescentes no estado do Rio grande do Norte a partir de um levantamento feito pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2019 e lançado no início de 2020. O RN saltou do 25º lugar em 2017, para a posição de 16º lugar em 2019, no ranking nacional.
 
Em termos de violência contra essa população, levando-se em consideração a escala de 1 caso de assassinato a cada 100 mil habitantes, o estado, infelizmente, dá outro salto para o 7º lugar, se comparado a outros estados brasileiros. Atingimos a média de 6, 02 casos por cada 100 mil habitantes. 
 
64% dos casos de violência e transfeminicídio que ocorrem no Brasil acontecem nas ruas, lugar em que facilmente as travestis e as mulheres trans são encontradas e transformadas em alvos fáceis, visto que 90% delas sobrevivem da prostituição, e fazem da rua o seu local de trabalho.
 
80% dos assassinatos registrados têm requinte de crueldade, o que mostra que esse tipo de crime é carregado de um desejo incontrolável de punição, de preconceito, de nojo, de ódio, enfim, do desejo de extermínio dessa população. Enquanto isso, ainda segundo o dossiê da ANTRA, somente 8% dos casos tiveram os suspeitos identificados.
 
Essa impunidade, de alguma forma, para o agressor, para quem comete o crime, pode ser entendida como uma prática “institucionalizada” da qual a sociedade tem pouco interesse em ver solucionado. Pouca gente se esforça para solucionar esse tipo de crime.  Matar travesti na rua parece tão sem significado para a sociedade como matar crianças e adolescentes negros nas favelas e periferias do Brasil. Viramos apenas dados estatísticos. Subnotificados, reafirmo.
 
O recado que a população de uma forma geral absorve é que vidas trans/travestis não importam. É como se a sociedade civil, o poder público, as igrejas, a escola, a própria família, enfim, todos que estão de fora da realidade da vida das mulheres trans/travestis, compactuassem com esse tipo de crime. Alguns setores, acredito, acham até benéfico para a sociedade como uma forma de “higienização social”. Enfim...
 
Os dados estão na mesa...
 
Agora faz-se necessário rever nossas jogadas e apostas, para que no final desse jogo, mais vidas de mulheres trans/travestis sejam preservadas, menos impunidade exista diante dos crimes cometidos contra elas, e mais empatia, compaixão e amor à vida dessas mulheres sejam deixados como lição para à sociedade. 
 
Desejo que ao rolarem os dados, os maiores números apontem para uma sociedade mais justa, mais livre em sua diversidade e pluralidade. Quero apostar numa sociedade que seja capaz de entender que há “nesse jeito a variedade,/ a multiplicidade toda” de existirmos, de sermos quem quisermos, como apontam os versos acima do poeta Carlos Drummond de Andrade.
 

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