Théo Alves

31/05/2020 00h02
 
Como enfrentar uma ratazana
 
 
Certa vez precisei enfrentar uma ratazana. Ainda estávamos muito longe de falar em Covid 19. Era um desses imensos ratos que parecem ter saído dos esgotos de filmes de terror e que não se parecem em absolutamente nada com o Mickey. Até hoje o horror daquele momento ainda assombra minha memória. Ela correndo por toda a casa, muito mais rápida que eu, grande demais para sair pela porta já fechada, grande demais para ser ignorada. 
 
Todas as vezes em que eu a encurralava num canto de parede, ela mostrava os dentes, arqueava o corpo e rosnava um som estranho, algo entre o ganido de um cão e o sibilo de uma jiboia. Eu a encurralava e ela ameaçava atacar. Foi um bocado traumatizante, especialmente para alguém que defende a vida de qualquer espécie.
 
Quando vejo e ouço algumas figuras do atual governo vociferando contra instituições democráticas, o episódio da ratazana me vem à cabeça. “Acabou, porra!”, diz o presidente aos berros, ao se queixar de uma ação da polícia federal direcionada contra o que ele chamou de “mídia a meu favor”. Por que uma ação que investiga a possibilidade de uso de dinheiro público no financiamento de uma rede que veicula notícias falsas, as tais fake news, trouxe tanta ira ao discurso do presidente?
 
Sara Winter, uma das investigadas e alvo de mandado de busca e apreensão, ameaçou Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal e responsável pelas investigações, dizendo que “trocaria socos” com ele e transformaria “sua vida num inferno”. Ao saber de sua possível prisão, ela baixou o tom e apelou para o sentimentalismo ao declarar que não saberia o que dizer a seu filho se fosse presa. Talvez pudesse dizer que a liberdade de expressão – que o presidente e a senhora Winter dizem defender, mesmo quando está em questão uma série de mentiras divulgadas por robôs – não pode ser uma desculpa para ameaçar alguém.
 
Um dos filhos de Bolsonaro, o que é deputado federal e atende ao pai por um número, disse que romper com a estrutura democrática do país é apenas uma questão de tempo, afirmando que seu pai será chamado de “ditador” quando tomar as medidas enérgicas que julgará necessárias. Ditador me parece um nome apropriado, caso as ameaças transmitidas pelo filho se cumpram.
 
Mas, voltando à ratazana a que me referi no início deste texto, fomos levados a um ponto em que o conflito exigia um desfecho, em que os limites do aceitável já haviam sido esticados demais. Eu tinha um cabo de vassoura como arma, ela também me ameaçava com a possibilidade do ataque. A ratazana que havia invadido minha casa, destruído algumas coisas, roído papéis, empesteado os cômodos com um cheiro horroroso, que havia roubado minha paz de estar ali após o trabalho, cansado.
 
Eu, o pacifista defensor dos animais, precisava fazer alguma coisa e me mudar dali ainda durante aquela noite não era uma opção justa. Eu parti para o ataque e ela se esquivou, continuei atacando e ela se esquivava e ameaçava contra-atacar, sem deixar a casa.
 
Encurralada outra vez, cansada, a ratazana me olhou e mostrou os dentes de novo. Então desferi um golpe com o cabo de vassoura que a acertou na cabeça. Depois do primeiro, outro. Ela cada vez mais lenta: o último golpe. 
 
Porque, em momentos como aquele, precisamos de algo mais que a diplomacia. É necessário agir de maneira enérgica para que não sejamos dominados pela ira de quem não deveria estar ali e restaurarmos a paz, a harmonia e alguma tranquilidade. Ainda penso nisso como um evento traumático, mas aprendi que às vezes é preciso golpear a cabeça de quem ameaça nossa paz justamente para poder mantê-la. E, àquela época, ainda nem falávamos em Covid 19. 
 

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