Renisse Ordine

28/05/2020 00h02
 
Entrevista: Júnia Botelho e o seu trabalho cultural frente ao Instituto Ruth Guimarães 
 
Ruth Guimarães Botelho foi uma escritora, poetisa, contista, pesquisadora. Uma das importantes escritoras regionalistas abordava em suas obras o folclore brasileiro e a cultura caipira. Após o seu falecimento, sua família prosseguiu com o seu desejo de divulgar a cultura tornando-a cada vez mais próxima do povo. Para isso, eles fundaram o Instituto Ruth Guimarães, em Cachoeira Paulista /SP, sua cidade natal, vindo a converte-se em um forte símbolo para os movimentos culturais e um local de encontro entre os antigos e novos admiradores da autora de Água Funda. 
 
Para sabermos mais sobre os trabalhos que estão sendo desenvolvidos no Instituto Ruth Guimarães, convidamos a sua filha, Júnia Botelho, que atualmente coordena os projetos para falar sobre as atividades desenvolvidas no Instituto e os planejamentos futuros. Como também, nessa entrevista ela nos conta sobre a amizade de Ruth Guimarães com o escritor potiguar Câmara Cascudo. 
 
1- Quem é Júnia Botelho?
 
Eu sou uma ativista cultural, herança de família.
 
2- A sua família é uma das mais culturalmente expressivas da região valeparaibana, sua mãe é uma das principais escritoras do país e o seu pai foi um importante artista na área da fotografia. Tanto que quando se fala de Ruth Guimarães, o nome de Zizinho Botelho vem em seguida, devido à cumplicidade dos dois, na vida familiar e cultural.  Como é ter agora a responsabilidade dessa missão de perpetuar a memória deles?
 
Na verdade não é uma responsabilidade, é um verdadeiro prazer. Porque é um trabalho que merece ser divulgado, reconhecido. Foram dois estudiosos, que trabalharam muito para aprender. A cultura está muito jogada às traças, qualquer coisa que se fizer neste momento é bem-vindo, porque em algum momento, em algum lugar do mundo, alguém entenderá o quanto a arte é importante para o crescimento do homem. Mas é necessário que tenha vindo algo antes. Então faço. Primeiramente porque gosto de trabalhar com a cultura, segundo porque o meu mote é: “construa e eles virão”. 
 
3- Como pode ser descrita a importância do trabalho de Ruth Guimarães no cenário nacional?
 
Ruth Guimarães queria que o brasileiro tivesse personalidade, tivesse história e para isso fazia pesquisa de campo, pesquisa bibliográfica, era uma atenta observadora. Foi aluna de Mário de Andrade, colega de Câmara Cascudo, participou do Congresso Nacional de Folclore com Rossini Tavares de Lima. Ela concordava com Carlos Rodrigues Brandão que disse: “as pessoas parecem que estão se divertindo, mas elas fazem isso para saber quem são”. Ela queria ajudar a fornecer uma identidade ao povo brasileiro.
 
4- Como já citado, após o falecimento de Ruth Guimarães, a família Botelho teve a inciativa de criar o Instituto Ruth Guimarães a fim de preservar a memória da escritora. A partir disso, como foi o processo de abertura e os desafios que vocês enfrentam para a realização desse trabalho?
 
Para manter viva a memória dessa alegria pela arte, começou a nascer a ideia de criar uma entidade que reunisse não apenas o legado literário físico de Ruth Guimarães, mas que oferecesse oportunidade de discussão e aprendizado de artes em geral, mais especialmente a literatura. Os irmãos conversavam a respeito da ideia e aos poucos a decisão foi se firmando. A criação do Grupo de Estudos Ruth Guimarães, com reuniões mensais para estudo de sua obra, foi uma das atividades que encabecei, e à qual agreguei encontros musicais e artísticos. A semente do Instituto tomava corpo. Foi realizada assembleia para instalação do Instituto Ruth Guimarães, na mesma chácara onde funcionará a sede, no dia 18 de agosto de 2019. Comparecerem cerca de 100 pessoas, que se tornaram membros fundadores. 
 
O desafio é fazer tudo, por enquanto, com pouco pessoal, sem financiamento, sem grande marketing, a não ser pelas redes sociais. Aos poucos isso vai mudar, porque temos muitos admiradores de Ruth Guimarães e Botelho Netto que estão querendo colaborar. 
 
5- Ainda sobre o Instituto, quais são os projetos que vocês já desenvolveram e os que já estão sendo idealizados?
 
O instituto já promove a diversidade. Tivemos reuniões mensais para esclarecimentos sobre a umbanda e demonstração da gira, tivemos curso de mitologia hindu, danças circulares. Recebemos palestrantes. Recebemos visitas de escolas, fazemos palestras em escolas públicas e particulares, oficinas para professores. As atividades irão continuar assim que possível. 
 
6- Está sendo comemorado neste ano de 2020 o centenário da escritora, como a pandemia do COVID-19 veio a afetar essa importante festividade? Já está sendo planejada uma alternativa?
 
A ideia era fazer a primeira FLIQUIN – Feira Literária do Quintal – para comemorar o seu aniversário em junho. Seriam 3 dias de declamação, trabalhos apresentados pelas diversas academias que a tiveram como madrinha, como paraninfa, como visitante, palestras. Estamos a 27 de maio, não acreditamos que até dia 13 de junho possamos receber uma pequena aglomeração no Terreiro das Artes, como também é chamado o nosso quintal. Para agosto gostaríamos de fazer o festival 100 anos de Ruth Guimarães, com oito dias de festa: apresentação teatral, contadores de história, músicos, oficinas de fotografia, redação, pintura, circo, gastronomia. Estamos tentando manter, porque até agosto muita coisa pode mudar. Ou não. Por enquanto tudo fica, mesmo que seja somente para fazer a divulgação e mudarmos posteriormente os planos. 
O jornal O Lince está preparando uma edição especial 100 anos com a participação de vários escritores, cada um mostrando uma faceta de Ruth Guimarães: tradutora, escritora, folclorista, poeta, uns falam de Malazartes, outros sobre Água Funda, outros sobre Contos de Cidadezinha, eu falei sobre minha mãe. Acredito que ficará muito interessante e será uma homenagem bem simpática. Pretende-se fazer para o aniversário, dia 13 de junho. Ainda estamos nos finalmente, e agradecemos demais o apoio de Alexandre Barbosa.
 
7- Nessa semana está sendo celebrada, A semana Mundial do Brincar (A aliança pela infância), um trabalho simultâneo em favor da valorização e encantamento infantil. Conte-nos como foi à adesão do Instituto a esse movimento e como está sendo essa experiência.  
 
Conheci Lila Vanzella no grupo “Leia Mulheres – Guaratinguetá”, quando convidada para participar da discussão feita por Água Funda. Lila é uma trabalhadora incansável. Ela convidou o Instituto para participar da Semana e gostamos muito da ideia. Porque mostrar as brincadeiras que fazem parte da cultura brasileira é algo que tem muito a ver com a ideia de Ruth Guimarães sobre a identidade brasileira. E como já tínhamos começado a fazer algumas coisas relacionadas com o resgate das brincadeiras desde o dia das crianças de 2019, foi uma continuidade do planejamento. Estamos envolvendo crianças para “tocar” outras crianças, inclusive. Maria Clara Ribeiro canta desde os 14 anos, se não me engano, hoje tem quase 18. Uma voz suave, macia, canta como quem nina. Está empolgada, adorou o projeto. Precisamos de jovens querendo imprimir gestos bons, para continuar essa jornada. É interessantíssimo ver que essa onda negativa, de violência, de homofobia, de racismo, de misoginia, de “nem tô aí pra nada” para com o intuito de apreciar o lúdico, o bom e o belo. 
 
8- Entre todas as obras literárias de Ruth Guimarães, Água Funda é o de maior destaque da carreira de sua mãe. Atualmente você e o seu irmão, Joaquim Maria Botelho, são os que mantêm o instituto, no sentido de promoção e que estão à frente de toda a divulgação, vocês pretendem desenvolver um projeto específico para esse livro?
 
Os quatro divulgamos: Joaquim Maria, tem o acervo de seus livros, corre atrás de editoras para a publicação de seus livros, Olavo  digitalizou as mais de cinco mil fotos de Botelho Netto, alimenta o blog “retratos e crônicas (http://retratosecronicas.blogspot.com.br/), alimenta o face de Botelho Netto em preto e branco (https://www.facebook.com/botelhonetto/?hc_ref=SEARCH) ele e Marcos administram  o espaço Ruth Guimarães (https://www.facebook.com/groups/108863609318855/). Marcos e eu ficamos em Cachoeira Paulista e fazemos a manutenção da casa onde nasceram José e Ruth.
 
O projeto não é específico para o Água Funda, mas para a obra como um todo e inclusive para as fotografias de Botelho Netto. Mas existe o projeto, que está sendo realizado pela Rosângela Canuto e sua trupe, de uma adaptação dramatúrgica. Uma equipe extremamente competente. Teatro precisa de toque, de conjunto, portanto não será realizado este ano, mas será concretizado em breve.
 
9- O escritor Câmara Cascudo, importante figura literária no estado do Rio Grande do Norte, devido ao seu trabalho desenvolvido pela cultura brasileira. Ele também foi uma das célebres amizades de Ruth Guimarães. O que você pode nos contar sobre coleguismo entre eles? 
 
Eu sou a filha mais nova, a caçula de 9 filhos. Então muitas coisas eu só sei de ouvir contar. Ela se aconselhava com ele, mandava cartas, e no início ele respondia com um “a senhora está me pedindo conselhos? Mas a senhora é quem deveria me aconselhar” Não exatamente nestes termos, mas aproximadamente. E depois de algum tempo de toda essa formalidade, parece que a relação mudou bastante, para melhor, pois ela passou a chamá-lo de Cascudinho. Ruth gostava de observar. E estava sempre aprendendo. Essas pessoas foram para ela uma espécie de professores.
 
10- Ruth Guimarães foi uma mulher extremamente inteligente e igualmente simples. Cativante pela sua receptividade e pela prosa que quem a conheceu jamais esquece, deixando muitas saudades nesses fiéis amigos e leitores da escritora. E agora, após seis anos após sua partida, com você vê a chegada dos novos admiradores. O que os atrai e os motiva a conhecer a sua obra literária?
 
Aqui precisaríamos de muitas páginas para comentar o que os atrai, porque para cada novo leitor existe um motivo diferente. A regionalidade: o leitor se identifica e se reconhece na história contada, com as expressões idiomáticas ou até mesmo com alguns “causos” dentro da história. Outros com as vozes polifônicas dos personagens. Outros com a ética dos contos. Outros com as crônicas que são atuais apesar de serem datadas, às vezes, de 50 anos atrás. Outros com a sua sagacidade, profundidade, filosofia, erudição, mordacidade, ironia, alegria, e tantos outros motivos. É uma escritora que é também uma contadora de histórias e os leitores têm prazer em seguir até o fim. Sempre se ouve “como é bom ouvir Ruth Guimarães”
 
11- Para finalizar, como os interessados podem entrar em contato com vocês para obter mais informações sobre o trabalho desenvolvido pelo Instituto? 
 
Venham nos visitar (depois da “gripezinha”, por enquanto, por favor: FIQUEM EM CASA). Estamos na rua Carlos Pinto, 130, em Cachoeira Paulista. É uma chácara, muito bem arborizada, é o lugar onde ela viveu, onde escreveu a maioria de suas histórias, onde se casou, teve os filhos, envelheceu e morreu. 93 anos de vida, é muita coisa para contar. Nosso telefone: (12) 31034652. Temos uma página no facebook: https://www.facebook.com/institutoruthguimaraes/ (@institutoruthguimaraes) e uma no instagram: https://www.instagram.com/instituto_ruth_guimaraes/ (instituto_ruth_guimaraes) 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).