Andrea Nogueira

28/12/2019 00h40
 
Emancipada
 
Na língua portuguesa utilizamos uma palavra especial para exprimir uma liberdade conquistada: emancipação. Assim, emancipar significa tornar livre, independente, liberado da submissão. Grupos de pessoas, geralmente privadas da efetividade dos benefícios legais, frequentemente reúnem-se num esforço para obter direitos políticos ou de igualdade. Quando assim o fazem, estão em busca da sua emancipação.
 
A busca pela independência é constante e também é uma das mais antigas batalhas diárias travadas pelo ser humano. Desde pequenos, enquanto crianças, as pessoas já buscam liberar-se da submissão dos pais, porque ser livre e independente está intrínseco em sua natureza.
 
Esse bem tão precioso que dá ao ser humano a capacidade de tomar decisões sobre sua vida pode ser alargado quando atinge territórios, afetando diretamente a aglomeração de cidadãos daquele lugar. Assim, quando um território tem aumentada a sua população, cresce também a necessidade de melhoria de serviços básicos como saneamento, escolas, postos de saúde, iluminação pública e energia elétrica. Alguém precisa se preocupar com essa realidade. Geralmente um grupo de pessoas politicamente organizado busca tornar esse território independente para que possam poder legislar sobre assuntos locais, como alguns tipos de tributos e questões de saneamento básico, moradia, controle de uso do solo urbano e proteção ao patrimônio histórico cultural. Assim, surge a luta pela emancipação e criação de um Município.
 
O desejo de emancipação de um território não é absoluto. Aliás, pessoas que não moram ali geralmente se incomodam com a possibilidade de criação de um novo Município. Os motivos alegados são diversos: dizem que haverá mais roubo, que não há necessidade ou que Municípios demais apenas servem para abarrotar o país com cargos públicos desnecessários. Não percebem (ou até percebem) que a criação de cargos públicos empregará pessoas daquele território e que as questões de saúde e educação públicas passarão a ser preocupação direta de uma população que já suporta a ausência do Estado há algum tempo.
 
Na prática, o território torna-se autônomo politicamente, mas dependente economicamente do estado e da União. Assim, causa um verdadeiro frenesi especialmente na população que está bem acomodada com o que possui. É que a liberdade assusta. Assusta especialmente aqueles que não querem partilhar o que tem. Assusta aqueles que têm escola para os filhos, que tem um bom hospital para recebê-los em caso de necessidade. Assusta aqueles que têm sua rua calçada e bairro saneado. Assusta porque a possibilidade de ter que compartilhar benefícios causa o medo de perdê-los. Essas pessoas preferem continuar a bailar sob a música “cada um com seus problemas!”.
 
Discorremos sobre Municípios, mas a emancipação assusta em todas as suas esferas. Quando a mulher começou a buscar sua independência, por exemplo, não faltou medo sobre quem cuidaria dos filhos, quem faria os afazeres domésticos com tanto primor, ou até o que seria dos homens que não saberiam fazer as atividades habitualmente realizadas por elas. Uma série de campanhas contra a autonomia feminina foi sendo
gradativamente criada. A Bíblia, a tradição histórica, a fragilidade física e outros argumentos foram bravamente utilizados para justificar que essa independência não poderia vingar. Muitos dançavam sob a música “cada um com seus problemas” diante de mulheres que queriam trabalhar, mas o marido não deixava, ou diante de mulheres que nem queriam casar. Muitas pessoas tiveram medo de perder algo com a independência da mulher. Aqueles que não tinham esse medo ajudaram na luta pela emancipação que até hoje é uma das maiores do mundo.
 
Emancipar-se do medo também é uma conquista. Livres, autônomos, independentes do medo de perder uma parte para que alguém possa usufruir dela deve ser o desejo de todos os homens e mulheres que compreendem a igualdade como ponto crucial da humanidade.

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