Daniel Costa

02/10/2019 15h33
 
AINDA VIVEMOS EM UMA DEMOCRACIA?
 
 
Um dos debates do momento é o que trata sobrevivência do regime democrático brasileiro. Muita gente boa acha que falar sobre democracia nos dias de hoje é cair na vala da retórica. A Constituição Federal tem sido rasgada. E a depender da roupagem ideológica do sujeito, direitos fundamentais são enfiados no bolso sem cerimônia. O exemplo gritante seria o caso de Lula. Segundo os adeptos dessa opinião, bastaria ver como os ministros das cortes superiores e os membros do Ministério Público Federal têm se comportado quanto ao seu julgamento.
 
Aliado a isso, a recente declaração do presidente do Supremo, a respeito de certa agitação militar, seria uma espécie de prova irrefutável. Algo como a última pá de areia na cova dessa forma de governo.
 
Já outros tantos entendem que pensar assim é recalque, mero inconformismo nascido da derrota eleitoral de 2018. Lula está preso porque cometeu crimes. E eventuais filigranas jurídicas não seriam motivo para se pensar na missa de sétimo dia do regime democrático. Além do mais, qualquer pessoa pode criticar o poder central sem que se vejam tanques trafegando pelas ruas nem pessoas sendo presas por estarem a defesnestrar o presidente da República.
 
O debate popular, portanto, se coloca entre essas duas ideias opostas, aparentemente inconciliáveis. Mas será que não existiria um terceiro ponto de vista espremido entre esses dois extremos?
 
Ao analisar a situação política de Portugal em 2011, o sociólogo Boaventura de Souza Santos sacou do coldre o seu conceito de democracia de baixa intensidade. Segundo ele, essa baixa intensidade consistiria, dentre outras coisas, no seguinte: 1) expectativas descendentes quanto ao futuro próximo do país; 2) existência de uma profunda transformação subterrânea do regime político, correndo em paralelo à manutenção, à superfície, da normalidade democrática da vida política e; 3) a existência de uma oposição paralisada, sem forças para emplacar posicionamentos que fortaleçam a sua agenda. 
 
É possível complementar essa ideia com a definição de democracia forjada pelo cientista político Robert Dahl, segundo a qual ela se sustenta em dois pilares principais: a existência da contestação pública e da participação.
 
Sem entrar nos meandros do assunto, no Brasil ainda vigora o direito à liberdade de expressão, no sentido de se poder criticar o governo (contestação pública). Como também ainda existem partidos de oposição e um processo eleitoral que está a funcionar (a participação). Por outro lado, assim como aconteceu em Portugal, o poder executivo central atua para modificar o modelo institucional construído após a redemocratização do país; a oposição parece estar sem forças para combater essa virada de mesa; e a expectativa conjuntural imediata é a mesma do Titanic após chocar-se com um iceberg.
 
De maneira que, ao se fazer um apanhado geral, pode-se concluir que nem se vive hoje no Brasil debaixo das varas de um regime autoritário, e nem tampouco se está sob as vestes de uma democracia plena. O país encontra-se no meio do caminho. A democracia de baixíssima intensidade de que fala Boaventura.
 
Essa constatação, até certo ponto banal, precisa ser alardeada. Afinal, o momento, talvez passageiro, permite encontrar soluções para essa déblâque, por meio do diálogo. E como escreveu o escritor espanhol Javier Cercas, é preciso evitar que uma sociedade se rompa, porque, depois que isso acontece, é impossível ficar no meio, já que ou se está com a democracia - por mais imperfeita que seja - ou se está contra ela. 
 

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