Daniel Costa

12/09/2019 13h11

Mude de Canal antes de ser agredido

A dominação do noticiário esportivo por ex-jogadores de futebol sem o devido preparo para o exercício do jornalismo, tem causado situações esdrúxulas. Dia desses na ESPN Brasil, canal que outrora se notabilizou pela qualidade de seus profissionais, um comentarista proveniente do mundo da bola descreveu a torcida da Lazio, famosa por ter hordas de neonazistas entre os seus adeptos, como sendo de extrema esquerda, por insultar um jogador negro.

A constatação é triste. Principalmente quando se sabe que o jornalismo esportivo teve que suar a testa por muitas décadas até encontrar um espaço de respeitabilidade dentro da profissão. O preconceito contra esse tipo de atividade foi estampado pelos periodistas que cobriam política e economia. Achavam que futebol não era assunto que possuía a menor importância, quando colocado diante de questões ligadas ao destino do país.

Os bons profissionais não deveriam dedicar suas horas aos debates sobre a qualidade dos atacantes dos Santos ou dos beques do Botafogo, quando a inflação estava na camada da estratosfera.

Mas comunicadores do nível de Nelson Rodrigues, João Saldanha e Armando Nogueira fizeram a roda mudar de direção, ao falarem e escreverem com estilo, além de possuírem uma bagagem intelectual suficiente para mostrar que futebol, política e cultura eram temas indissociáveis sim, capazes de caminhar juntos, sendo de grande importância para a construção da identidade do povo brasileiro.

Depois veio uma nova geração capitaneada por ases como Juca Kfouri, José Trajano e Fernando Calazans, que não deixou cair a espada, continuando a empunhar um jornalismo de primeira linha, produzindo reportagens investigativas que explicitavam que esporte e política tinham tudo a ver.

Ainda hoje é possível encontrar um ou outro periodista dessa mesma cepa, como é o caso de Paulo Vinícius Coelho. Mas a verdade sem roupa é que esse tipo tem perdido espaço para os ex-jogadores de futebol.

Claro, sim, existem craques que possuem aptidão para realizar um trabalho de alto nível. Tostão e Sócrates são exemplos disso. Mais recentemente, o argentino Sorín, ídolo do Cruzeiro, também demonstrou que existem exceções à regra. Mas exatamente por serem exceções, é que ex-jogadores não deveriam ocupar a maior parte dos espaços do debate esportivo, como vem acontecendo. Basta zapear por um ou dois canais, e fica fácil constatar que os Netos e Edmundos da vida estão dominando o noticiário.

A qualidade do jornalismo desce ladeira abaixo, já que a escolha desses profissionais, ao que parece, se dá a partir de um critério que leva em conta, acima de qualquer coisa, o clube em que o sujeito jogou, antes de se aposentar. De maneira que os ex-jogadores que fizeram sucesso em equipes de grande torcida têm preferência sobre qualquer profissional com carreira nascida nas universidades, por mais competente que seja.

Se o cara jogou nos portentosos clubes de São Paulo e do Rio de Janeiro, ele já é carta marcada, ainda que troque "s" por "z" e "x" por "s".

Nesse caminho, praticamente não sobra espaço na grande mídia para aqueles jornalistas de escol, que destilam brilho na televisão e nos cadernos de esporte transformando jogadores em reis e jogos em épicas batalhas.


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