Arthur Dutra

23/01/2020 02h27
 
Liberdade, moradia e ousadia para recuperar o Centro de Natal
 
 
Quando as cidades nascem, é evidente que seus primeiros moradores escolhem o melhor lugar para fincar seus primeiros alicerces. É, acima de tudo, uma questão geográfica, nem um pouco arbitrária. A partir desse embrião inicial, em tudo favorável, é que a cidade vai se ampliando ao longo do tempo. Há, portanto, uma certa lógica em se ter um espaço original, e que depois, por uma questão de referencial, será conhecido como o Centro da cidade. Natal, claro, também tem o seu, e está localizado mais precisamente nos bairros da Ribeira e Cidade Alta, onde tudo começou e que, ainda hoje, são chamados de Centro. Por já serem antigos e carregados de memórias, receberam a alcunha de Centro Histórico.
 
Porém, apesar de receberem o nome de Centro, esses bairros já não mais ostentam a função de protagonistas da vida da cidade, muito embora ainda abriguem coisas importantes como o Porto, o Tribunal de Justiça (que sairá em breve), a Assembleia Legislativa e a Prefeitura Municipal. Isso se deu em razão do espalhamento da cidade, um fenômeno verificado em tantas outras no Brasil e no mundo. Aos poucos, as pessoas foram deixando de morar no Centro em busca de moradias mais modernas e, claro, mais baratas também. Os números não mentem: a Zona Leste, cujo coração é o Centro, incluído o bairro do Alecrim, é a única de Natal que vem perdendo população desde 1991, num acelerado processo de esvaziamento que retirou muito da vitalidade da região. Isso é muito ruim, não só para o antigo Centro, como para a cidade como um todo.
 
Isso porque o Centro, por mais que não tenha mais tantos moradores, é a região que pertence a todos os cidadãos, seja porque em algum momento da vida todos temos que ir lá, seja para fazer negócios, utilizar algum serviço público ou pelo menos de passagem para outra área; seja porque é lá que está depositada a nossa memória de cidade de 420 anos, estampada no patrimônio histórico em franca degradação. Todos nós temos, em alguma medida, identidade com ele. Deve ser do interesse de todos, portanto, que ele seja melhor cuidado. Mas é preciso sair da mesmice. 
 
Não é mais nem possível contabilizar quantos projetos de revitalização da Ribeira e da Cidade Alta foram elaborados. Sabe-se, porém, que todos fracassaram dramaticamente. E há algo de constante nesses fracassos: quer-se fazer na marra, com projetos mirabolantes e sem qualquer apreço ao direito de propriedade e às demandas reais de mercado. Como é uma área repleta de patrimônio histórico tombado pelas três esferas da federação (Estado, União e município), o derradeiro interessado a ser realmente consultado é o particular. Para ele, só obrigações e escassos incentivos. Não funciona, e quem diz não sou eu, e sim as pedras daquelas antigas ruas da Natal do passado.
 
Os últimos projetos são verdadeiras teses acadêmicas, monumentos de idealismo e sofisticação que consideram uma legislação caduca e de uma rigidez absurda como se fosse a melhor moldura jurídica para uma verdadeira revitalização. É sempre um modelo ideal, brotado de mentes fantasiosas que odeiam o mercado e os legítimos direitos dos proprietários. Aliado a isso tem-se uma covardia dos agentes políticos, que se dobram aos clamores desses formuladores utópicos. Ainda há quem diga: ah!, mas muitos desses projetos não saíram do papel ou foram deturpados. Sinal que não foram elaborados levando em consideração essa senhora implacável e exigente chamada REALIDADE. É sempre bom lembrar que entre o “sonho” e a realidade a distância é quilométrica, e o preço que esta última cobra está aí para todos verem. Depois de tantos equívocos, agora é preciso mudar.
 
Em primeiro lugar, Natal precisa seguir a tendência das cidades que conseguiram trazer pessoas de volta para o Centro. Como? Tornando atrativo para o mercado a construção de moradias e reformas de prédios antigos para aluguel, por exemplo. Aumento considerável de potencial construtivo, flexibilização de pequenas normas de adaptação, incentivos extras na adoção de instrumentos urbanísticos contemporâneos que valorizem as calçadas e a caminhabilidade, dentre outros. É hora de deixar a iniciativa privada fazer a leitura das demandas de mercado e oferecer os produtos que as pessoas querem consumir. Afinal, as políticas habitacionais promovidas pelas prefeituras são retumbantes fracassos, pois não levam em conta as reais necessidades das pessoas. Vejamos o caso do Village de Prata, conjunto habitacional construído pela prefeitura no bairro do Planalto, Zona Oeste de Natal. Jogou as pessoas para uma região distante, desprovida de qualquer tipo de serviço público elementar, aprofundando ainda mais o espraiamento da cidade e afastando as pessoas dos locais onde há empregos. Muito melhor seria um bem amarrado projeto de aluguel social para garantir moradia digna para o cidadão natalense que não tem onde morar ou mora em condições precárias. 
 
O futuro da habitação, inclusive a de interesse social, está no Centro. Não tenho dúvidas disso. São Paulo, por exemplo, já vem fazendo bons empreendimentos do Minha Casa, Minha Vida no seu Centro Histórico com grande sucesso. Além de atacar o déficit habitacional, repovoa o Centro com moradores que devolverão vida à região, inclusive à noite. É unir o útil ao agradável.
 
De igual forma, é preciso rever, urgentemente, a legislação municipal do tombamento (Lei 5.191/2000) e da criação da Zona Especial de Preservação Histórica – ZEPH (Lei 3.942/1990) um trambolho legislativo que aplicou uma overdose de proteção, com pesadas restrições, e terminou por promover a morte do Centro Histórico. Hoje temos um cemitério de fachadas em ruínas e prédios antigos abandonados em razão das várias obrigações impostas aos proprietários de imóveis inviáveis economicamente. 
 
Em Natal, o tombamento de um bem é praticamente a revogação do direito de propriedade e a sua condenação à deterioração. Além disso, não há na cidade um proprietário, salvo alguns abnegados, que tenha o menor interesse em investir na restauração de imóveis numa região sem vida, mesmo que sejam tombados pela União, pelo estado, pelo município e até pela ONU. Para mim está muito claro: para preservar um imóvel de valor histórico-cultural não é preciso, necessariamente, tombá-lo. O que precisamos é criar um grau de proteção mais leve, e que tenha em vista a sustentabilidade econômica do bem protegido, principalmente se for privado. Chega de ter só boas intenções escritas numa lei. A conta precisa fechar. 
 
Os incentivos previstos na lei 5.191/2000 são mínimos, irrisórios, e dependem da benevolência da municipalidade, que julgará a concessão através de critérios altamente subjetivos. Margem grande para politicagem e favorecimentos indevidos. Critérios objetivos e claros são necessários, pois as penalidades são maiores ainda em caso de omissão do proprietário. Se o dono nada fizer para preservar ou recuperar o bem, além de ser multado, poderá ter que ressarcir a prefeitura na remota hipótese de ela tomar a iniciativa de fazer o restauro, ou ter seu imóvel desapropriado. Por último, ainda poderá responder na esfera criminal. Repito: pelos frutos dessa parafernália autoritária e inexequível conhecereis sua verdadeira natureza. 
 
Estes são apenas alguns tópicos mais atrevidos sobre o que é necessário para termos um Centro realmente revitalizado. São poucos, pois o espaço é curto e não se pode cansar o leitor. Mas entre diversionismos, sonhos irrealizáveis e a realidade, fico com esta última, que é um pouco sisuda, mas é generosa em entregar bons resultados quando consultada sobre as coisas da vida. Tenhamos ela, portanto, em mente, e certamente assim, e com uma boa dose de ousadia, conseguiremos fazer com que Natal volte a dar o protagonismo que um Centro reavivado, acolhedor, seguro e próspero merece. Assim será!
 

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