Ana Carolina Monte Procópio

20/01/2020 00h25
 
ABAIXO A INTELIGÊNCIA, VIVA A MORTE!
 
 
“A razão é a morte do fascismo.”
Miguel de Unamuno
 
12 de outubro de 1492, Bahamas – O navegante italiano Cristóvão Colombo, financiado e por incumbência dos reis católicos espanhóis Fernando de Aragão e Isabel de Castela, chega ao que hoje se chama América Central, em episódio que a História chama de descobrimento da América – em que pese não ter se tratado absolutamente de descobrir uma terra que era povoada há longo tempo, apenas não era conhecida dos europeus.
 
12 de outubro de 1936, Salamanca, Espanha – Na Universidade de Salamanca está ocorrendo uma solenidade. A imaginação permite imaginar que poderia ser comemorativa do “descobrimento” da América, uma vez que se tratou de empreitada promovida por reis católicos e a Espanha de então louvava os valores religiosos e a monarquia. A razão da solenidade é especulação, pura hipótese. Mas o fato histórico é que na solenidade, diante do discurso de um professor que exaltava as qualidades do regime franquista, eis que é proferido o lema da Falange, organização ultranacionalista e fortemente religiosa: “Viva a Morte”!  A plateia, então tomada pelo fervor do discurso e do ambiente autoritário de então, concorda com o brado e lhe dá seguimento com palavras de ordem em favor da Espanha, sob a liderança do general Milán-Astray, a quem seguem seus soldados, os quais, de forma acintosa, dentro do ambiente universitário, fazem o gesto de erguer o braço direito em saudação ao ditador Francisco Franco. 
 
O então reitor da Universidade, o professor, escritor e filósofo Miguel de Unamuno, um liberal humanista, profere vigorosa resposta ao insulto, em discurso curto e forte, que se eternizou. Começou ele dizendo que como era bem sabido, ele falaria porque “ficar calado significaria mentir e o silêncio pode ser interpretado como aquiescência”. Segue combatendo o regime de ódio instaurado em seu país e diz que aquela não era uma guerra internacional em defesa da civilização cristã, como se dizia, mas uma verdadeira guerra civil e, ainda, que “vencer não significa convencer e que o ódio que não deixa lugar para a compaixão não pode convencer”. Cita o general Milán-Astray com fortes críticas ao seu modelo para a Espanha, ao que o general, encolerizado, grita: “Abaixo a inteligência, viva a morte!”. Finaliza Unamuno com a célebre frase que entrou para a História, especialmente a da resistência à opressão: “Vencereis, porque lhes sobra força bruta. Mas não convencereis, porque para convencer é preciso persuadir. E para persuadir é necessário algo que lhes falta: razão e direito na luta. Mas me parece inútil pensar que pensais na Espanha.”.
 
Após esse discurso, Unamuno foi perseguido pelo franquismo, destituído do cargo de reitor da Universidade de Salamanca e posteriormente condenado à prisão domiciliar. Morreu pouco mais de dois meses, no último dia do mesmo ano de 1936.
 
A força bruta pode muito, mas não pode tudo e, sobretudo, não pode para sempre. 
 
O regime franquista, como de resto todos os regimes autoritários, é naturalmente anti-intelectualista. É notória e comprovada historicamente a aversão de ditadores pelo conhecimento. O pensamento crítico ameaça os regimes que querem impor uma verdade única a um povo; um só modo de pensar em que não caibam diferenças nem divergências. 
 
Por isso queimam-se livros, censuram-se obras, mata-se, prende-se, exila-se a voz da razão. Essa é muito perigosa para as ditaduras de plantão porque não se dobra e porque desperta outras consciências. 
 
O debate que se põe nessas quadras históricas é o da luta contra o irracional, tão evidenciado nos combates e na negação de evidências científicas há longo tempo assentadas. 
 
O enfrentamento entre o anti-intelectualismo e os defensores do conhecimento e da razão está longe de acabar.

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