Daniel Costa

21/06/2019 16h13
 
FLANANDO COM O ARREPENDIMENTO
 
 
Como você será visto no futuro? Essa é uma pergunta que pode ser incômoda para um bocado de gente, principalmente para aquelas pessoas públicas, que correm o risco de ter os seus nomes estampados nos livros de história. Não falo de um futuro distante, quando todos nós já estaremos resumidos a pó de sepultura. Na realidade, refiro-me a um tempo mais próximo, contável em termos de gerações. Tempo em que o sujeito ainda estará vivo, mas já distante dos fatos que escreveram a sua biografia social.
 
Uma luz neon deve piscar nos cérebros dessa turma, como um alerta a dizer que é hora de pisar no freio e refletir sobre as consequências  dos seus atos e das suas palavras. "Amigo velho, tenha cuidado, é assim que você quer ser visto pelos seus netos?".
 
Algumas figuras públicas, como o cantor Lobão, a apresentadora Raquel Sheherazade e o ator Thiago Lacerda, por exemplo, devem estar pensando nisso agora, razão pela qual começaram a pular do barco dos acontecimentos para negociar com as suas biografias. Apoiadores de Bolsonaro, que até anteontem glorificavam o presidente silenciando sobre os inúmeros e notórios erros do seu governo, agora já começam a mudar o toque do piano, abrindo o verbo para falar que o presidente "não tem a menor capacidade intelectual e emocional para poder gerir o Brasil".  
 
Outros, como o historiador Marco Antonio Villa, já caminhavam em direção diversa há algum tempo, antes mesmo da eleição do presidente.  Ele é um bom exemplo do sujeito conservador que está preocupado com a história que será contada para os seus netinhos. Por isso, ainda que a sua vida como periodista de O Globo e analista político da Jovem Pan, seja altamente antiprogressista, não se furtou em falar que o governo Bolsonaro "não tem programa definido. A falta de rumo não permite o estabelecimento de prioridades. O discurso (vazio) tomou conta da ação. A paralisia administrativa é patente. Não se sabe o que fazer no dia seguinte".
 
É bem possível que esses arrependidos tenham se lembrado de gente como Albert Dines e Carlos Lacerda, que depois de tisnados com a marca de apoiadores do golpe de 64, nunca mais se livraram dessa pecha, manchando as suas biografias para além do túmulo. Ou até mesmo que estejam se espelhando em Carlos Heitor Cony, que depois de ajudar a escrever os editoriais "Basta!" e "Fora!" publicados no Correio Brasiliense, clamando pela deposição de João Goulart, se arrependeu logo na primeira semana de abril, antevendo a tragédia da ditadura.
 
A fileira dos homens públicos flanando com o arrependimento, enfim,  parece prestes a crescer, provavelmente porque ninguém quer ser incomodado pelo futuro. O que não deixa de causar um certo alento, principalmente quando são vistas algumas pessoas insistindo em defender o indefensável.  

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