Andrea Nogueira

26/01/2019 08h00
Ser humano
 
Por: Andrea Nogueira
 
Hoje acordei com uma sensação de liberdade. Depois, parei por alguns instantes tudo o que eu estava fazendo e olhei para mim.
 
Enxerguei alguém que trabalha para o seu sustento e o da sua família, uma pessoa que dirige e anda sozinha pela rua. Vi alguém que chega numa festa acompanhada ou desacompanhada, como preferir. Vi uma pessoa que escolhe suas próprias roupas, sapatos, se usará maquiagem ou não, que decide a cor dos seus cabelos e decide estar solteira ou comprometida.
 
Logo me questionei se tudo isso sempre foi possível para qualquer pessoa.
 
Carteira de motorista, voto, divórcio, chegar só num restaurante ou lanchonete, carteira de trabalho assinada, cargos de grande responsabilidade ou eletivos, todos esses direitos sempre
fizeram parte do universo masculino com muita naturalidade. Mas o que houve? Não sou homem.
 
Sou mulher, mas trabalho. O homem da minha casa tem 30 anos a menos que eu. Mesmo sendo mulher, posso dirigir, votar, trabalhar ou cuidar dos afazeres domésticos. Posso ir ao cinema sozinha. Posso assinar contratos como responsável por mim mesma e até pelo meu filho. Posso escriturar um imóvel em meu nome ou ter um cartão de crédito, sendo a titular. Posso ter conta bancária e CPF. Sou mulher e tenho diploma universitário. Sou graduada e pós graduada. Desde que eu pratique algum esporte, posso até concorrer numa olimpíada. Posso jogar futebol. Posso escolher meu companheiro, namorado ou marido. Mas num passado não tão distante, tudo isso era tão difícil para uma mulher que parecia impossível.
 
Ainda mergulhada nas minhas reflexões, pensei: tive sorte ou corri atrás do que eu queria? E imediatamente senti uma gratidão pelas mulheres que me antecederam na luta feminista. Um carinho imenso por todas elas tomou conta de mim. Senti um grande respeito por aquelas que faziam uma luta silenciosa dentro dos seus lares e pelas que se expunham para a sociedade julga-la. De fato, minha carteira de motorista não foi uma vitória somente minha. Meu título de eleitor teve o suor e a luta de muitas outras mulheres. Meu diploma e minha profissão não são frutos apenas da minha competência. Afinal, nem sempre foi assim. Não havia nada de natural em tudo isso para uma mulher.
 
Lembrei de uma história engraçada em que minha mãe, há mais de trinta anos, ajudou um grupo, na pequena cidade em que morava, a ganhar uma gincana, pois era a única mulher da região com carteira de motorista. Também lembrei que ser divorciada já foi muito mais difícil para uma mulher do que é hoje. Refleti e concluí que muito ainda tem que ser melhorado.
 
É preciso que cada um faça a sua parte, por si e pelos outros. E uma boa forma de começar a construção da igualdade é reconhecendo e compreendendo que o femismo é terrível, mas o feminismo é o que há de melhor numa mulher.
 
Reconhecer-se feminista é reconhecer-se preocupada com outras mulheres além de si mesma. É saber que para algumas será fácil acumular carreira e vida pessoal, mas para outras esta realidade ainda está muito distante e até improvável. Reconhecer-se feminista é dar oportunidade, é se importar mesmo sem compreender a dor alheia. É ser escada. Reconhecer-se feminista é bonito e natural.
 
Imbuída em tantas certezas e incertezas, importa saber que as conquistas femininas não seriam possíveis sem a participação dos homens, pois a busca por direitos, respeito e igualdade de tratamento é de todos, inclusive de quem não estaria à margem de tudo isso. Hoje, os homens que compreendem o feminismo são verdadeiros aliados na construção da isonomia escrita no artigo quinto da nossa Constituição Federal, pois para o feminismo não importa ser homem ou mulher, importa ser humano.

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