Andrea Nogueira

17/11/2018 10h47
 
Mãe, Mulher, Advogada
 
Hoje é o dia daquela audiência muito importante para a qual me preparei durante vários dias. O processo é bom, a causa é estimulante, mas o direito é relativo, pois já não existe segurança jurídica no país. Então, hoje é o dia de fazer um trabalho meticuloso. Ocorre que meu filho amanheceu doente. Está molinho e daquele jeito que só quer a mãe por perto. Aliás, desde a madrugada já estava sob os cuidados zelosos maternais para o controle de febre e mal estar. No entanto, toda a atenção noturna não resultou na cura esperada para o início do dia.
 
Em volta de tudo isso, lembro que ao chegar em casa ontem, após um dia puxado de atendimentos e peticionamentos, encontrei meu amado companheiro todo disposto para jantar e comemorar mais uma de suas vitórias profissionais. Aquele dia puxado não teria sido o mesmo se eu não tivesse feito boa parte das petições com o computador sobre o colo, enquanto minha cabeleireira fazia um milagre em meus cabelos. E todos os compromissos que agendei e organizei foram igualmente empolgantes, já que eu teclava o celular sob os cuidados da minha manicure. 
No final, deu tudo certo. Clientes atendidos, unhas pintadas, cabelos bem cuidados, petições adiantadas, prazos cumpridos, reuniões exitosas, um leve cansaço físico e muita alegria por ser produtiva.
 
Retornando ao lar, ainda foi possível atender os telefonemas dos clientes que esquecem que sua advogada tem vida pessoal, especialmente após as 19h. Mas tudo certo, “faz parte” penso sempre. No caminho de casa, a empregada avisa que falta leite, pão, azeite e outras coisinhas. Nada que um pulinho no supermercado não resolva. Ao chegar, encontro meu doce filhote esbanjando alegria, contando como foi o dia na escola. Enquanto isso, meu telefone toca insistentemente. Provavelmente algum trabalho extra ou uma amiga desejosa de me contar algo importante. 
 
Com aquele jeitinho feminino, foi possível olhar a agenda do filhote e as mensagens no telefone. Depois, iniciamos as tarefinhas escolares e me surpreendi com um bilhete da professora pedindo para providenciar papel crepon cor de laranja e azul claro, cola, gliter furta cor e uma caixa de leite vazia. A partir daquele momento eu já estava encaixando a compra desses materiais na minha agenda do dia seguinte. Mas o leite... tinha que beber uma caixa inteira... daria certo. Até aqui, um dia normal, como de costume: comum e cheio de realizações.
 
Ainda imbuída dessa alegria cotidiana, percebo a chegada do meu companheiro ansioso por nosso jantar de comemoração. Por um momento penso em desistir de sair, sentindo-me cansada, mas respiro fundo e penso que a noite acabará renovando minha energia.
 
A mulher de carreira jurídica tem uma jornada diária cheia de desafios. Em tempos onde a mídia ainda prega um padrão de beleza a seguir, um padrão modelo de comportamento social e ainda a obrigação de conciliar beleza, bem estar, riqueza e profissionalismo, a maioria das mulheres vive numa verdadeira corrida contra o tempo. A mulher continua sendo muito cobrada pela sociedade e esta cobrança termina influenciando as pessoas que a cercam em sua intimidade. 
 
Assim, de forma sutil ou direta, filhos, companheiros, irmãos e pais, amigos e amigas cobram da mulher que ela seja atenciosa, inteligente, diligente, independente financeiramente e ainda seja linda, cheirosa e cheia de disposição. A mulher de carreira jurídica atual conhece bem esse perfil, pois não trabalha apenas para ter o que fazer nas horas livres. De fato, ela não teria horas livres. Seu trabalho é a base da sua vida e do seu lar.
Ahhh... E quanto àquela importante audiência do dia que me referi no início deste artigo? Bem, nessas horas espera-se que a sociedade evolua para acolher a mulher no mercado de trabalho. Nessas horas, espera-se que haja um adiamento da audiência para data aproximada. Espera-se que o poder judiciário acredite na importância de manter a mulher no mercado de trabalho, sem retirar-lhe as características femininas que lhe forjam a existência. Espera-se que o mundo aprenda que não é a mulher quem precisa se adequar, é o mundo que precisa acolhê-la. 
 
Quanto à mulher, ela sabe que tudo dará certo, pois ela é a resistência personificada. A mulher é a inspiração da resiliência. E aquele processo importante não poderia estar em mãos mais seguras.

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