Andrea Nogueira

27/10/2018 12h19
 
A moralidade e o jogo de cintura da legalidade
 
Immanuel Kant explica a lei moral como uma vontade boa para todos. Ele pontua que cada indivíduo, portador de uma boa vontade, saberia escolher, dentre suas regras particulares, aquela que pudesse valer para todos os demais.
 
A palavra “moral” origina-se do latim: morale, relativo aos costumes (mores). Tanto a moral quanto a lei são sociais, pois se apresentam como forma de organização da convivência humana. Mas ambas também são questionáveis, já que tanto uma como outra dependem das instituições sociais que cuidam de sua preservação. Moral e Lei - uma completa a outra. Uma justifica a outra.
 
Uma sociedade organizada não admite uma lei com viés de imoralidade e também não aceita a moralidade sem que possa refletir-se numa lei.  Apesar de uma ser “impositiva” (a lei) e outra ser uma “opção do bem” (a moral), não há como separá-las sob pena de desestruturar todo o sistema organizacional de uma coletividade.
 
Em tempos modernos, enfrentamos conflitos entre a legalidade e a moralidade. Algumas leis seguem sobrevivendo ao repúdio social. Por uns é defendida sob o argumento de que são normas positivadas quais devemos obediência e ponto final. Por outros, segue rechaçada sob o argumento de que o repúdio social é suficiente para desmerecer sua força positivada.
 
Debates sobre a moralidade de determinadas normas vem ganhando espaço. Vários questionamentos, por exemplo, pairam sobre a concessão de benefícios restritos a classes seletas. Há um verdadeiro frenesi social, especialmente diante da realidade fática da maioria dos brasileiros a equiparar-se com o grupo cheio de privilégios ímpares.
 
Numa época de crise nacional, onde os poderes executivo e legislativo passaram por grande provação de ilibação, por exemplo, havia restado para o judiciário o peso da bandeira imaculada. Mas tamanha responsabilidade acabou atraindo a atenção do povo sobre seus membros, suas funções, suas atribuições e especialmente sobre o quanto custa monetariamente tudo isso. Seus membros passaram a ser mais popularmente conhecidos, e consequentemente questionados o auxílio moradia, o auxilio educação, o auxilio alimentação, o auxilio saúde, o vale livro, as férias de 60 dias, a aposentadoria compulsória, dentre outros benefícios da categoria.
 
Certa vez, o SindJustiça expôs em rede social: “essa situação humilha o servidor porque cria discrepância entre as carreiras que não faz o menor sentido”.
 
A obrigatoriedade da lei escrita é o que conceitua o chamado sistema jurídico positivado, ou seja, vale a norma formal e escrita. Contudo, a lei nem sempre é suficiente para manter a harmonia no convívio social, seja por ausência de norma que regule determinada atividade humana ou mesmo por sua inadequação diante da dinâmica social. De fato, outras fontes do direito precisam ser abraçadas para alcançar a pacificação social. 
Nesta ótica, temos as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior: “O direito, em suma, privado de moralidade, perde sentido, embora necessariamente não perca o império, validade e eficácia. Como, no entanto, é possível às vezes, ao homem e à sociedade, cujo sentido de justiça se perdeu, ainda assim sobreviver com o seu direito, este é um enigma, o enigma da vida humana, que nos desafia permanentemente e que leva a muitos a um angustiante ceticismo e até a um despudorado cinismo.”
 
A moral não só deve permanecer a orientar a conduta dos indivíduos em sociedade, como também a sociedade deve utilizar-se das regras morais para julgar uns aos outros e também a própria legislação que os rege.
 
O “jogo de cintura” feito para acomodar a moralidade junto à legalidade vem causando arrepios na população. Nenhuma deveria ultrapassar a outra. Contudo, as ultrapassagens são frequentes, com roupagem de normalidade. Perdura o desafio da manutenção do equilíbrio entre a lei o bem estar coletivo.

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