Valério Mesquita

21/08/2018 13h19
Macaíba é um filão inesgotável de histórias e de tipos inesquecíveis. No final de semana reencontrei um velho amigo e conterrâneo hoje residente em Natal. Relembrou-me antigas passagens da vida emocional da cidade. Brindamos a vidinha de ontem e de hoje falando de coisas, de pessoas, daquela atmosfera lírica do final dos anos cinquenta para o início dos sessenta, sob testemunho e juramento do bom vinho do Porto. Só me pediu para que não revelasse o seu nome. E logo me contou uma do delegado de Macaíba, homem valente e de pavio curto designado no governo Dinarte Mariz para “resolver as pelejas políticas e as pendências dos contrários”.
 
Aliás, delegado político naquele tempo era o que não faltava pelo interior do Rio Grande do Norte. Tratava-se de um tenentão, alto, olhos azuis, namorador, arbitrário, cuja presença no cabaré inibia até ereção. Tudo aquilo que representasse jogatina, roleta 36, jogo do bicho, caipira, etc., era permitido desde que pagasse “dízimo” à delegacia. Mas, o contraponto da conduta policial era proibir jogo de sinuca para os menores de dezoito anos. Nós dois estávamos inseridos no contexto proibitório, e, por várias vezes, batíamos em fuga com a aproximação dos marrons fardados.
 
Nessa época, Nelson Gonçalves desfilava os últimos sucessos que embalavam a boemia local nas festas e nos bares. Inclusive, lembra-me o amigo, ele estivera na cidade cantando no Pax Clube. Mas a nossa história começa no bar de Jorge Leite da Costa que fora arrendado a uma família chegada a Macaíba, vinda do interior. Uma garota, filha do locatário, tornou-se a sensação da cidade em plena rua João Pessoa, coração do comércio. Rosto e pernas bonitas, olhos e cabelos sensuais, tudo enfim, enfeitiçava a galera jovem que começou a fazer ponto no tradicional bar de Jorge Walkiria, assim chamado por causa da marca do seu charuto. Uma garota como Ivânia – esse o seu nome – o delegado tenente logo iria capturá-la – à guisa de proteção às atividades comerciais da família. Afinal, eram forasteiros. E, assim aconteceu. “Seu Delega” apaixonou-se, comentavam as vozes da rua. E logo chegou uma radiola novinha comprada na Importadora Omar Medeiros, Natal. A musa sentava-se à calçada ouvindo as canções de Nelson: “a flor do meu bairro, tinha o lirismo da lua...”. O vestidinho curto mostrava uma nudez parcial para desespero do delegado. A turma entrava no bar mesmo sem ter o que comprar. Inventava. O fato estava atrapalhando as missões e investigações do tenente que transferiu o seu expediente funcional para o bar. Qualquer olhar indecoroso de algum distraído esbarrava na cara do delegado. “O que foi que viu? Dê o fora!”.
A coisa atingiu um ponto que a delegacia se tornou um problema muito menor do que a incolumidade física da “flor do nosso bairro”. O ciúme policial havia chegado às raias do absurdo. Mas, só depois que um conhecido vereador foi surrado pelo delegado, flagrado com a sua paquera em atitude libidinosa no escurinho da esquina, é que tudo terminou. O tenente foi transferido, Nelson emudeceu, o bar fechou e a cidade perdeu a musa que veio de longe. Dia seguinte, a rapaziada afanosa procurava saber para onde havia partido a princesa. E teve gente que foi atrás. Aí começa outra história.

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