Daniel Costa

25/07/2018 00h20
Advogados, juízes e guildas medievais
 
Depois do show de horrores envolvendo o Habeas Corpus do ex-presidente Lula, a turma da magistratura resolveu aproveitar a oportunidade para tocar o trombone, dizendo em alto som que um dos problemas da decisão que concedeu a ordem de soltura teve origem  no fato de o desembargador plantonista não ser um juiz de carreira. Ou seja, ele foi alçado à condição de magistrado a partir de vaga do quinto constitucional reservada a advogados e a membros do ministério público. 
 
Segundo a  Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - Anamages, essa vaga não deveria existir. Somente juízes concursados poderiam ocupar os tribunais, principalmente diante da frequente nomeação de advogados despreparados. 
 
A associação Brasileira dos Advogados Criminalistas - Abracrim, por sua vez, seguiu o vácuo da discussão e, batendo de frente com o pessoal da toga, se manifestou em apoio a alguns projetos de lei que pretendem impor como exigência ao exercício da magistratura a experiência prática de 10 anos de advocacia e a idade mínima de 30 anos. No caso, segundo dizem os causídicos, é preciso mudar o fato de se terem garotos julgando temas cruciais como divórcios e guarda de filho.   
 
Não é difícil perceber, entretanto, queridos leitores, que o "esprit de corps" e o velho interesse de classe imperam nessa discussão. Cada uma das associações procura defender as suas regalias; de maneira que os advogados discordam da posição dos magistrados quanto à extinção do quinto constitucional. E os juízes desafinam dos advogados quanto à exigência de experiência advocatícia para o exercício da magistratura.  
 
Deixando de lado, porém, a questão dos interesses coorporativos, vê-se que ambas as associações têm uma "meiota" de razão nos seus posicionamentos. A experiência necessária para decidir sobre o destino dos outros deve sim ser imposta aos juízes. E, por sua vez,  a ocupação de cadeira nas cortes superiores não pode ser atribuída a quem nunca tenha proferido uma sentença. 
 
Nada mais razoável do que se exigir vasta experiência daqueles que irão julgar questões complexas, colocando na balança de Têmis o destino de uma multidão  de pessoas. Não é natural que um jovem juiz, ainda cheirando a perfume de mãe, tenha discernimento suficiente para mandar prender e soltar. E os 10 anos de batente numa banca de advogados é algo bem razoável, ainda que isso não seja lá um seguro contra todos os danos, e que eventualmente se tenham jovens juízes capazes de decidir muito bem, e juízes com vasta cabeleira branca e atuação em outras atividades, sem maturidade para julgar uma simples briga entre vizinhos. 
 
Esse "know how", por outro lado, é o que também se espera dos magistrados que ocupam os órgãos colegiados. Na verdade, nesses casos, não apenas um conhecimento de vida é necessário, mas também uma experiência no ato de julgar. E aqui sejamos claros, apenas os juízes com anos de suor na testa possuem essa condição. O advogado, para ocupar tal lugar, deveria ter igualmente 10 anos de traquejo no exercício da magistratura. O que não lhe é possível. E se não é possível, não há porque existir um assento a ele destinado nos tribunais. 
 
Além do mais, a disputa pelas vagas do quinto constitucional tem se desenvolvido de forma intestina, numa espécie de minicampanha política, que mobiliza interesses de todas as sortes, sem que, em regra, sejam observados os critérios estabelecidos na Constituição para a escolha do candidato do quinto. 
 
Somente juízes de carreira, portanto, deveriam ocupar os espaços dos órgãos colegiados; assim como alguém só deveria ser considerado apto a vestir a toga da justiça depois de, comprovadamente, ter sofrido uma década de agruras nos escritórios de advocacia, percorrendo os longos e morosos corredores do judiciário, suplicando por despachos e rezando um pai-nosso e vinte ave-marias para que as audiências tenham início na hora marcada. O resto, querido leitor, é apenas resquício das guildas medievais.

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