Andrea Nogueira

21/07/2018 20h32
O "sexo frágil" na política
 
A participação no processo eleitoral não se resume em votar ou ser votado, mas estas competências são muito valiosas ao ponto de existirem barreiras que impedem ou dificultam seu amplo exercício. 
 
A barreira à mulher, por exemplo, por muitos anos manteve-se sem nenhum constrangimento social ou legal. De fato, a legislação colocava o feminino num patamar de pouca relevância para o cenário político, e a sociedade acompanhava o desatino numa concordância insossa e velada.
 
A mulher não tinha direito ao sufrágio e suas opiniões políticas eram taxadas de irrelevantes. Suas ideias ou decisões pouco importavam, e por longos anos suas expressões dependiam do aval masculino: primeiro dos pais, depois dos maridos. Alcançar o direito de decidir não foi fácil.
 
Mesmo em meio a evidentes conquistas e autonomia feminina, a legislação sempre esteve um passo atrás da realidade fática e participativa das mulheres. E quando finalmente adiantava o compasso, já não era suficiente para alcançar a igualdade necessária.
 
Lutas importantes, como a da feminista paulista Bertha Lutz, no movimento sufragista, contribuíram para o avanço legislativo. Segundo historiadores, Bertha teve fundamental influência na legalização da participação feminina no nosso Estado.
 
Hoje em dia, em âmbito nacional, as mulheres votam e podem ser votadas. Mas ainda há quem diga que a participação feminina na política é pequena, porque “não existem muitas capacitadas”. Não devemos acreditar ou estimular essa ideia.
A alegada incapacidade não é fator determinante para a pouca participação das mulheres na política, como também não é fator determinante para diminuir a participação masculina. O fato é que ainda contamos com o comportamento velado de dispensa do feminino no processo eleitoral, e é contínuo o processo sugestivo que nos impõe a raciocinar como se a mulher fosse realmente desnecessária.
 
Vejamos por exemplo, o direito a cotas. Antes não havia cotas, mas também não havia participação mínima ou máxima com relação ao gênero. Assim, ter 100% de homens no cenário político era perfeitamente natural, mas admitir 100% de mulheres pareceu tão surreal ou inadmissível que, na hora de estabelecer um percentual mínimo de participação de gênero, logo se estabeleceu também um percentual máximo. Parece até que havia uma preocupação com uma tomada de poder pelo “sexo frágil”.
 
O sistema de cotas é resultado de um longo processo de efetivação da igualdade rezada no artigo 5º da Constituição Federal. É um meio para alcançar o resultado. Não é o resultado. As cotas representam o reconhecimento formal de que houve uma exclusão da mulher do cenário político, ao longo dos anos, por uma questão de gênero e não por uma questão de capacidade. 
 
Assim, já está na hora de exercitarmos o controle sobre a forma de enxergar e compreender a regra eleitoral referente à participação efetiva com base no gênero. Está na hora de concentrar nossa atenção no fato de que, atualmente, a cota mínima masculina nas candidaturas também é de 30% e a máxima é de 70%. 
 
As informações sobre estas cotas, da forma como é transmitida à sociedade, é preocupante, porque geralmente é resumida. Fala-se: “30% para as mulheres”. E assim, sugestivamente, esquecemos o “70%” e ainda ficamos com o “mínimo” em nossa mente.
 
Vários grupos organizados e efetivamente politizados destrincham os novos percentuais de participação dos gêneros da forma correta: com muitos debates, esclarecimentos e entendimento real do arcabouço de ideias por trás das cotas. Estes grupos que buscam a igualdade têm as cotas como norteadoras, mas focam na paridade.
Porém, de uma forma geral, o único percentual que vem ganhando destaque é o de 30% e está sempre ligado ao feminino. Isso vai gerando uma ideia errada sobre o que se espera sobre participação eleitoral e aos poucos vamos esquecendo que o percentual de 70% também é das mulheres. 
 
Focar apenas nos 30% e sempre associa-lo ao feminino colabora com o processo de sugestão de que as mulheres só devem ocupar o percentual menor. Geralmente não relacionamos o percentual de 30% para o número mínimo de homens.
O sistema de cotas veio para tentar equilibrar a participação dos gêneros na política e não para oficializar uma permissão de participação às mulheres. 
 
Olhando bem de perto, é possível perceber o processo de indução de raciocínio no qual estamos submersos diariamente. Dessa forma, também é possível reassumir o controle das nossas ideias e provocar as mudanças necessárias. Olhando bem de perto, será possível multiplicar.

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