Daniel Costa

21/06/2018 14h40

Circula pelo mundo virtual trecho do programa  Manhattan Connection transmitido pela Globo News, em que o jornalista Diogo Mainard, a certa altura, diz  que os militares asseguraram o regime democrático ao interferirem no julgamento do STF, que tratou da prisão de Lula.
Ele se referia à declaração proferida pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, que um dia antes do julgamento do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente, afirmou que o Exército estaria "atento às suas missões institucionais" .
Deixando de lado a questão da juridicidade de prisões a partir de condenações em segunda instância, o que se percebe das palavras de Mainard é uma completa inversão da ideia de Estado democrático de direito.
Não há entre o pior dos rábulas alguém que seja capaz de defender que as Forças Armadas possuam legitimidade para interferir espontaneamente nas atividades do Poder Judiciário, quanto mais para acossar magistrados de qualquer nível, especialmente ministros da Suprema Corte, para julgarem de determinada forma. Parece óbvio inexistir lei que permita esse tipo de atuação.
Na verdade, a Constituição Federal submete o Exército à autoridade suprema do Presidente da República. Ele se destina precipuamente à defesa da pátria e da garantia dos poderes constitucionais. Muito mais do que isso. As Forças Armadas só podem garantir a aplicação da lei e da ordem através de comandos provenientes desses poderes constitucionais, dentre os quais se encontra o próprio Poder Judiciário.
Ou seja, se não existe lei que possibilite, de ordinário, a interferência das Forças Armadas nas atividades dos órgãos estatais, por consequência lógica, dentro do Estado democrático de direito, não há lugar para conferir-lhes o status de disciplinador independente da democracia, como uma espécie de palmatória do país.
Para falar em claro português, o exército brasileiro, representado pela figura do general Eduardo Villas Bôas, agiu em completa desobediência às competências constitucionalmente estabelecidas, e em clara afronta à independência do Poder Judiciário. Dito de outro modo, ele não operou em favor da democracia como pretendeu fazer crer Mainard, mas contra o regime democrático.
O pior de tudo isso é perceber que esse abuso cometido por um membro da cúpula do exército (o que significa dizer que ele falou por toda a instituição), não chegou a ser objeto de reprimenda por parte do STF ou por parte do Presidente da República.
É por isso, aliás, que não chega a causar grande espanto a declaração do jornalista da Globo, a não ser pelo fato de que ela traz à luz a constatação de que o exercício do poder no país já está nas mãos dos militares. Fato que deixa entrever o que poderá vir a acontecer acaso o próximo presidente eleito seja alguém que, na ótica particular dos homens de farda, não pense "no bem do país e das gerações futuras".


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