Cefas Carvalho

19/06/2018 07h57
Em viagem a São Paulo, metrópole maior do Brasil e um das cinco maiores do humano, é fácil perceber o caos urbano em todas as suas vertentes. Esse problema fica mais explicitado no Centro Antigo da cidade, sempre cheio de moradores de ruas e pessoas em condições sub-humanas de vida por problemas diversos, números que aumentam ou diminuem de acordo com a gestão municipal e com a conjuntura sócio-econômica do país.
 
O Centro de São Paulo, não obstante os problemas crônicos, as gestões desastradas neste tocante e na crise do país, ainda teve um caos a mais:  o incêndio e desabamento na madrugada do dia 1º de maio, do edifício Wilton Paes de Almeida, de 24 andares, ocupado pelo Movimento Social de Luta por Moradia (MSLM) e que abrigava 140 famílias, no Largo do Payssandu, distante dois quarteirões do hotel onde me encontro, na rua Pedro Américo, República. 
 
Era inevitável que eu lá fosse e o fiz, junto com Jeanne Araújo, logo na primeira manhã de viagem. Não me interessava as razões da ocupação no prédio que não mais existe, nem saber das políticas habitacionais (ou não) do governo, muito menos se é justo ocupar prédios ociosos. Minha ideia era observar o lado humano. E este, foi um choque.
 
Parte considerável dos ocupantes agora sem teto está acampada na praça e no entorno da bela Igreja dos Pretos, no meio do Largo. A igreja evidentemente está fechada deste a tragédia e serve de apoio logístico para as dezenas de famílias acampadas.
 
Não bastasse a tragédia em si, centenas de pessoas vivendo ao ar livre em condições precárias em um frio que beirou 18 graus na segunda-feira mas baixa consideravelmente à noite, uma particularidade mórbida se faz presente na cena: Um cercado de ferro e aluminio em todo o entorno, como se confinando os sem teto.
 
Até compreendo que a intenção da cerca é manter o local dentro de uma área razoavelmente segura - para as próprias famílias - e que possibilite maior controle social. Mas, o efeito da cerca é pavoroso.
 
Como seria de se esperar. a visão das familias acampadas e cercadas, atrai o olhar de curiosos que passam. E como é natural, muitos filmam e fotografam a cena, o que pensei em fazer, claro, ainda que com a (boa) intenção de registrar e denunciar as consequências do caos habitacional da cidade.
 
Porém, percebendo o olhar de desespero e tristeza de alguns, principalmente crianças. dentro do cercado , em sendo fotografados, percebo que aquilo se tornou um Zoológico Humano. Pessoas do lado de dentro se alimentando na hora que lhes é determinada e pessoas do lado de fora filmando e observando o comportamento das que estão dentro.
 
Há muito o que se dizer e escrever sobre o tema e o caos urbano tem muitas vertentes e prismas. Mas, na segunda-feira, a nota que nos marcou foi o olhar das crianças lá dentro, que remeteu à poesia "O bicho", de Manoel Bandeira:
 
"Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
 
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
 
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
 
O bicho, meu Deus, era um homem".

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).