Daniel Costa

15/01/2018 12h45
O holandês Arnon Grunberg escreveu um romance chamado Tirza em que as loucuras e os relacionamentos familiares do homem moderno são postos a nu. A família tradicional, representada pela figura do pai provedor, é estilhaçada diante da fugacidade das atuais conexões sentimentais, em que ganha relevo o prazer a qualquer custo, o individualismo, o vazio existencial. Mãe, filhas e pai vivem juntos na mesma casa, numa aparente normalidade. Mas, quando vistos de perto, através da lupa do escritor, ninguém é lá muito saudável. Cada qual se encontra dentro de uma espécie de bolha, isolados uns dos outros. 
 
Essa visão da destruição da família tradicional descrita por Grunberg é similar àquela que se acompanha na lida jurídica, dentro dos processos, em que os clientes confidenciam os seus segredos de família e suas pequenas baixezas de que não têm motivo para se orgulharem. É dentro da sala escura de um escritório de advocacia que se tem conhecimento de falsas acusações de abuso sexual lançadas por desejos de vingança. É lá que surgem os pedidos de divórcio, que se iniciam semanas depois do casamento, por incompatibilidade das cores das toalhas, quando a festa acabou e a lua de mel teve seu desfecho numa cama king size de algum hotel cinco estrelas. É no birô da mesa de audiência, diante de juízes e advogados, que os casais reatam relacionamentos meses depois de movimentar o judiciário, a partir da promessa de uma nova viagem com destino a Paris ou a Nova York. É nesse mundo trágico e surreal que crianças nascem produtos do sexo relâmpago urdido a partir de uma noite de álcool e de prazer. 
 
Dentro de tal maré de fugacidade, da liquidez da vida moderna, existe, porém, um tênue e frágil fio capaz de guiar as pessoas pelo labirinto existencial: o amor. É ele que se vê nascer, frutificar e explodir nos casos mais inusitados que a vida é capaz de forjar. É o amor que se sobrepõe aos vínculos genéticos; que sobrevive às práticas alienatórias; que reivindica o casamento homossexual; e que permite a reconstrução das vidas dentro de famílias multiparentais, entre filhos, enteadas, pais e padrastos. 
 
Nesta atual quadra niilista, em que os valores tradicionais, que até então nortearam a sociedade, são destruídos a golpes de machado, é importante acreditar e jogar todas as fichas na força maior do amor. Afinal, como escreveu o filósofo francês Lucy Ferry, o amor constitui um novo princípio de sentido capaz de modificar nossas concepções habituais sobre a vida, subvertendo nossa existência na esfera privada e em tudo que diz respeito às questões coletivas e à coisa pública. Um novo imperativo categórico se impõe: “Aja de maneira a que a máxima de sua ação possa ser aplicada aos que você mais ama”. 
 

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