Prof. Aderson Freitas Barros

28/12/2017 10h50
Apesar de estar sempre na pauta do dia, a reforma tributária nunca chega. O motivo pode ser o medo dos estados de terem de se adaptar à nova forma de cobrança do ICMS, tributo de maior arrecadação do país. O fato é que a reforma precisa acontecer, e deve simplificar o sistema tributário. É o que diz o ministro Gurgel de Faria, membro da 1ª Seção e da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
 
Em entrevista ao JOTA, Gurgel de Faria afirmou que as várias contribuições sociais acabam gerando uma demanda muito grande no Judiciário, o que prejudica o investimento no país.
 
“Não podemos ter tantas contribuições sociais. Temos o IPI, de competência federal, o ICMS, estadual e o ISS, municipal. Então em cima do consumo temos uma tributação muito forte. Não é possível, principalmente para o setor produtivo, ter uma mega estrutura para poder calcular o seu tributo, e depois ter tanta demanda e demorar tanto tempo para chegar a solução”, explicou.
 
A questão econômica é tema recorrente nas turmas de direito público do tribunal. Em um recente julgamento, o colegiado discutia a extensão da decisão do Supremo Tribunal Federal que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, para outros tributos. Especificamente, a turma discutia se o ICMS deveria integrar base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB). Por unanimidade, a turma decisão que não.
Apesar de votar nesse mesmo sentido, o ministro Gurgel de Faria afirmou que “em termos econômicos, a desoneração da folha foi desastrosa” e ressaltou que, se tivesse a oportunidade de fugir da decisão do STF, votaria de forma diferente. Relembrando o aspecto econômico, o ministro afirma que teria uma outra fundamentação jurídica para manter o tributo na base de cálculo da CPRB.
 
“É óbvio que se o Supremo entendeu, em repercussão geral, que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins, temos que respeitar. Se eu tivesse liberdade, se eu não tivesse vinculado à essa posição, provavelmente eu teria um outro entendimento. E o fato de eu ter mencionado a questão econômica foi porque, na realidade, essa situação já veio desonerando os setores”, ressaltou.
 
Ao ser questionado se a exclusão do ICMS do PIS e da Cofins será compensada na reforma tributária, o ministro afirma que não sabe quando, mas que será compensada de algum jeito.
 
“Estamos vendo o rombo que existe no nosso orçamento. O ano de 2014 foi o primeiro que tivemos déficit e foi quando as contas ficaram descontroladas, porque a economia começou a sentir, porque começou a arrecadar menos tributos, o governo fez desonerações que se tornaram desastrosas. Como isso será resolvido? Vai ter que arrecadar mais”, afirma.
 
O ministro ainda falou sobre honorários de sucumbência no novo Código de Processo Civil, STJ como tribunal de precedentes, novo plenário virtual da Corte e a regulamentação das contribuições sociais.
Leia a entrevista:
 
JOTA – O STJ julga agora a extensão da decisão do Supremo que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins para outros tributos, com o IPI, o ISS e a CPRB. O senhor comentou em um dos julgamentos que se não tivesse tido uma decisão do STF, talvez a votação sobre esses tributos seria diferente por causa da questão econômica. O aspecto econômico pode influenciar em um julgamento?
 
Gurgel de Faria – Naquele julgamento eu quis destacar o aspecto econômico, mas eu faria a fundamentação evidentemente jurídica. É óbvio que se o Supremo entendeu, em repercussão geral, que o ICMS não deve ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins, temos que respeitar. Se eu tivesse liberdade, se eu não tivesse vinculado à essa posição, provavelmente eu teria um outro entendimento. E o fato de eu ter mencionado a questão econômica foi porque, na realidade, essa situação já veio desonerando os setores. A ideia de desoneração, é sempre importante a gente dizer, era para três ou quatro setores, começou pequeno e destinado aos setores que mais empregavam. A ideia era estimular os setores que eram grandes empregadores, então a ideia foi não colocar a contribuição em cima da folha de salários para inibir contratação. Mas isso cresceu e se tornou algo muito grande. Vários setores foram entrando no sistema e a situação virou, realmente, uma bola de neve.
 
JOTA – Alguns ministros do STF já estão decidindo de forma monocrática pela extensão da decisão que excluiu o ICMS do PIS e da Cofins para outros tributos. Isso significa que o STJ também precisa decidir pela extensão do entendimento?
 
Gurgel de Faria – Na verdade a fundamentação é a mesma a partir do momento em que o STF diz que o ICMS não deve ser incluído no conceito de receita bruta da empresa porque é um valor que não integra o caixa da empresa. Trata-se de um valor que será repassado para o Estado. Então no momento em que existe a interpretação para o ICMS isso vai valer, por exemplo, para o ISS, que também é um valor que será repassado para os cofres públicos. Eu acho que essa fundamentação também se aplica a outro caso, mesmo que seja um tributo distinto, a gente deve seguir.
 
JOTA – A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins será compensada na reforma tributária?
 
Gurgel de Faria – Eu não sei se será na reforma tributária, mas será compensada de algum jeito. Estamos vendo o rombo que existe no nosso orçamento. O ano de 2014 foi o primeiro que tivemos déficit e foi quando as contas ficaram descontroladas, porque a economia começou a sentir, porque começou a arrecadar menos tributos, o governo fez desonerações que se tornaram desastrosas. Como isso será resolvido? Vai ter que arrecadar mais.
Os contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, irão sentir porque o governo terá de dar um jeito e não pode contribuir com esse déficit como está, aumentando cada vez mais, até porque a sinalização que ele dá para o mercado como um todo é perigosa. Eu sei que o mercado já precificou o déficit deste ano e do ano que vem, mas ele está apostando que o governo comece pelo menos a estabilizar as suas contas.
 
O governo terá que, em algum momento, criar uma reforma tributária inteligente que venha a simplificar o sistema, e ter uma distribuição da carga tributária melhor. Se o governo fizer um bom trabalho na reforma tributária, ainda tem chance de aprovar ainda nesta gestão, sempre com a ideia de simplificação.
 
JOTA – A reforma tributária é necessária? Qual seria o melhor momento e modelo?
 
Gurgel de Faria – Sem sombra de dúvida a reforma tributária é necessária. Ela está sempre na pauta do dia, mas esse dia nunca chega! Eu até entendo. Não estou fazendo uma crítica, mas a gente observa uma falta de confiança dos estados em relação à União. Para a reforma tributária realmente melhorar o sistema, é preciso mexer no ICMS. O ICMS é o tributo de maior arrecadação no país. É o número um. Então os estados não sabem como será a arrecadação. Falta uma confiança e isso é o que breca a reforma tributária, mas ela tem que acontecer.
 
A reforma deve simplificar. Não podemos ter tantas contribuições sociais. Temos o IPI, de competência federal, o ICMS, estadual e o ISS, municipal. Então em cima do consumo temos uma tributação muito forte. Não é possível, principalmente para o setor produtivo, ter uma mega estrutura para poder calcular o seu tributo, e depois ter tanta demanda e demorar tanto tempo para chegar a solução. A gente precisa ter um sistema tributário melhor para poder ter mais segurança jurídica, até para o empresário poder investir.
 
JOTA – Há alguma parte nesta história que deve ficar assustada com a reforma tributária?
 
Gurgel de Faria – O contribuinte sempre fica assustado, mas é preciso simplificar para poder melhorar, efetivamente, a vida de todos, especialmente do setor produtivo. A carga tributária fica em torno de 33%, 34% do PIB [Produto Interno Bruto]. Sempre há uma promessa de que com a reforma tributária vai melhorar e até cairia [a carga tributária]. Eu não tenho os argumentos para dar uma resposta sobre isso, mas eu acho que pode melhorar na hora que simplificar e de repente trazer a fusão de alguns tributos, especialmente algumas contribuições sociais que agem com o mesmo propósito.
 
O modelo ideal seria simplificar o sistema tributário como um todo, especialmente a parte das contribuições sociais, que eu acho que traz muita discussão, seja no âmbito administrativo chegando até o Carf [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais], seja no âmbito judiciário.
 
JOTA – O STJ deve esperar a decisão do Supremo para julgar matérias que podem iguais?
 
Gurgel de Faria – Normalmente, as questões chegam primeiro aqui [STJ]. E quando examinamos e afetamos para repetitivo é porque imaginamos que o tema não é constitucional, às vezes há até decisões do STF dizendo que a matéria não é constitucional, e a gente afeta, mas depois passa o tempo e o Supremo tem uma nova visão e diz que o tema é constitucional, e a gente reexamina. Precisamos respeitar o que o Supremo diz sobre os temas constitucionais, mas se porventura, na visão inicial que fazemos, a matéria não é constitucional, temos que analisar por aqui.
 
JOTA – Falta algum ministro especializado em direito tributário no STF?
 
Gurgel de Faria – O Supremo é formado especialmente por constitucionalistas, então aquele que entender de direito constitucional vai entender também de direito tributário na parte que interessa ao direito constitucional. A gente tem que ter a ideia de um STF de grandes juristas que sejam voltados especialmente para o direito constitucional.
 
JOTA – Um dos temas mais recorrentes no STJ é a revisão de honorários com base no novo CPC, que aumentou as hipóteses de incidência da verba.
 
Gurgel de Faria – É importante trazer o histórico sobre esse tema. No âmbito do STJ, a gente tinha uma interpretação de que só faríamos uma revisão de honorários se eles fossem exorbitantes ou irrisórios. Mas esses conceitos são indeterminados: o que é exorbitante e o que é irrisório? Cada um tem a sua visão. A partir desses conceitos indeterminados a gente tem que analisar o caso concreto e depois fazer o juízo de valor. Isso ocorria no Código de Processo Civil de 1973.
 
No CPC de 2015, especialmente em relação à 1ª Seção, que trata de Direito Público, quando a Fazenda Pública é vencida, há balizas que já estão fixadas, patamares de acordo com o valor da causa. Presume-se que agora as questões chegarão ao STJ mais tranquilas quanto ao aspecto dos honorários.
 
As grandes questões que estamos analisando agora é o cabimento ou não dos honorários sucursais.
 
JOTA – A 1ª Seção já fixou que os honorários recursais só podem ser aplicados se a decisão recorrida que deu ensejo ao recurso foi publicada na vigência do Novo CPC. Então se a decisão que está sendo impugnada já foi impugnada com o novo CPC, é possível aplicar os honorários sucursais. Mas existe ainda uma nova discussão?
 
Gurgel de Faria – Existe uma nova discussão. A situação é a seguinte: uma decisão, que deu ensejo ao recurso especial, foi proferida ainda na vigência do CPC de 73. Mas a parte não se conformou e entrou com embargos de divergência. Os embargos são examinados por um outro órgão, aqui dentro do mesmo STJ. Enquanto o recurso especial é analisado por turmas, os embargos de divergência são analisados por uma seção. Nesse caso, daria ensejo à aplicação de honorários recursais?
 
A minha interpretação pessoal, já que a 1ª Seção ainda vai decidir a questão, é que o que deve balizar a aplicação dos honorários recursais é o momento em que ele inaugura a instância recursal, ou seja, o momento em que o recurso chega ao STJ, mesmo que depois tenha agravo interno ou embargos de divergência. Na minha visão não importa. Quando o advogado inaugurou a instância recursal e estava ainda sob a égide do CPC de 73, na minha visão, não deve caber honorários recursais. Mas eu já vi que alguns colegas têm interpretação distinta. Se houver divergência entre as seções o caso deve chegar à Corte Especial.
 
JOTA – Com a reforma trabalhista, é possível dizer que os advogados ficarão mais receosos em apresentar recursos?
 
Gurgel de Faria – A ideia dos honorários recursais é trazer uma preocupação de que a parte não venha com recursos temerários. Há a ideia de valorizar o trabalho do advogado, porque quando ele recorre tem que apresentar contrarazões e é mais trabalho. Há sim um caráter inibitório em relação à condenação por honorários recursais.
 
JOTA – O STJ pode ser chamado realmente de tribunal de precedentes? As decisões são seguidas nas outras instâncias?
 
Gurgel de Faria – Sim. Acontece que, às vezes, algumas decisões nossas terminam tendo um caráter constitucional, pela visão do STF. Se a matéria é constitucional, a decisão é do STF, que dá a última palavra. Mas se o tema for infraconstitucional, quem dá a última palavra é o STJ. O STJ também é uma Corte suprema, porque a ele cabe dar a última palavra a respeito da interpretação da legislação federal. Então sem sombra de dúvida é uma corte de precedentes.
 
Além disso, a gente está fazendo uma mudança. Estamos saindo do aspecto dos precedentes e do nosso ambiente natural que é o civil law e indo para a common law. Eu cito precedentes dos Estados Unidos de 160 anos atrás. A gente está começando a ter ideia de precedentes agora. Ainda tem muito caminho a trilhar. Mas o STJ é uma corte de precedentes e precisamos afetar recursos de matérias que sejam rotineiras e que tenham aquele efeito multiplicativo no âmbito dos processos para firmar as teses e dar segurança jurídica e dar menor litigiosidade.
 
JOTA – Essa questão é refletida na quantidade de processos que é julgada em bloco aqui no STJ?
 
Gurgel de Faria – Na hora em que o recurso especial é afetado, automaticamente suspende todos os processos no âmbito da instância ordinária, porque eles ficam aguardando a decisão do STJ e os processos que porventura estejam aqui [STJ], a gente sobresta e manda descer para a instância inferior para ficar aguardando. Na hora em que o precedente for formado, a instância ordinária encaminha para o órgão que julgou para fazer a readequação. Isso tem uma relação muito forte porque, a depender da matéria, são centenas ou milhares de processos que serão julgados em face dessa tese. Isso é muito importante e tem esse efeito multiplicador.
 
JOTA – A possibilidade de inclusão do TUSD e do TUST na base de cálculo do ICMS vai ser um tema que será julgado como repetitivo. As turmas de direito público do tribunal divergem sobre o assunto. Qual é a importância deste caso?
 
Gurgel de Faria – É importante porque no âmbito da 1ª Seção a matéria é muito relevante tanto para os contribuintes quanto para os estados, porque é uma parcela significativa de valores e os temas jurídicos são muito relevantes. Foi o primeiro processo nessa sistemática de votação eletrônica para afetação.
 
JOTA – O Plenário virtual deve se tornar público, como é no STF?
 
Gurgel de Faria – Eu acredito que sim. O tribunal começou com a afetação de recursos especiais, mas a ideia é que o sistema também seja utilizado para recursos que não darão ensejo à sustentação oral, como embargos de declaração e agravos internos. Se porventura o caso estiver no plenário virtual, e o advogado, por algum motivo, venha a pedir que o julgamento seja presencial, para fazer esclarecimento de fato por exemplo, ele terá essa prerrogativa, mas no geral esses processos que não dão ensejo à sustentação oral, a tendência é ser julgado virtualmente.
 
JOTA – Precisamos de um novo Código Tributário Nacional (CTN)?  
 
Gurgel de Faria – Eu considero o nosso CTN muito bom. É um código que já completou os seus 50 anos e, pelo menos até agora, nenhum dispositivo não foi recepcionado pela  Constituição Federal de 1988. O código atende bem a missão que foi a ele destinada de trazer normas gerais sobre direito tributário, como prescrição e decadência.
 
JOTA – Em que partes o Código precisa ser alterado?
 
Gurgel de Faria – Há uma omissão do código, pela época em que ele foi editado – 1966 –  no que diz respeito à regulamentação das contribuições sociais. As contribuições sociais não têm nenhuma regulamentação específica no CTN. De repente, talvez, pudesse se caminhar para isso, porque elas estão todas em leis esparsas.
 
JOTA – Hoje em dia o Judiciário consegue resolver essa defasagem?
 
Gurgel de Faria – Sim. Na realidade o nosso sistema tributário, no âmbito da Constituição Federal, traz as regras gerais sobre as contribuições sociais e as leis esparsas criam as mais diversas contribuições sociais. Então, nesse aspecto, o sistema vem suprindo.
 
Mas as contribuições sociais vêm trazendo controvérsias para o Judiciário. As demandas começaram a partir de uma emenda que foi feita na Constituição Federal e que ficou previsto que as contribuições sociais não são cumulativas. A regulamentação que foi feita pela Receita Federal vem dando essa série de controvérsias, como por exemplo o caso sobre o conceito de insumos no que diz respeito ao PIS e a Cofins.
 
A questão não tem uma regulamentação genérica. Cada legislação disciplina a matéria, e, bem, a disciplina acaba não sendo da maneira mais clara, e gera essa quantidade enorme de processos sobre as contribuições sociais. Pode ver quantos processos temos para julgar, como ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, a questão dos insumos. São várias questões e de valores elevados. Então além da questão jurídica ser relevante tem o aspecto econômico também importante. Não que esse aspecto econômico vá influenciar na questão jurídica, mas, por óbvio, além da relevância jurídica há também a importância econômica para o país.
 
 

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