Pinto Júnior

28/12/2017 10h38

Eita tempo difícil. Truculência e ausência da polícia. Atrevimento dos bandidos. Intolerância de todos os lados. A polícia desafiada pela ilegitimidade, incapacidade e corrupção. O diálogo substituído pela trama, trapassa e pela mordaça. Os políticos pequenos crescem na tragédia e nos escombros da pequena política. Mas, há vida além da tragédia...

Há arte para salvar as pessoas. Na arte é possível construir uma dimensão além das grades fundamentalistas. O poeta cria asas além das rimas e métricas. Além de pedra e cal. Além das mordaças e da ignorância. Há crônica na vida. Há vida na crônica! 

Hoje não quero escrever sobre a deteriorada política. Quero voltar meus ouvidos para a beleza de textos e de artistas que tantas vezes são a inspiração para a cidade ou pessoas incrédulas nas lideranças que já não são compreendidas como tal. Agora já preciso de óculos para beber na fonte do poeta de Itabira. O poeta que sabe que sempre há pedras no caminho. Que sabe que para o próximo ano ser bom, é necessário mais que mudança de calendário, é preciso merecer cada conquista.

"(...) Para ganhar um Ano Novo 
que mereça este nome, 
você, meu caro, tem de merecê-lo, 
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil, 
mas tente, experimente, consciente. 
É dentro de você que o Ano Novo 
cochila e espera desde sempre."

Nesses dias de política de cristal, de fragilidade de caráter, prefiro a crônica de Carlos Drummond de Andrade que fala do fardo de quem encontra uma bolsa perdida e sabe que não é sua e, justamente por isso, não descansa até devolvê-la. Prefiro o “Caso do canário”, onde humanos se reúnem por misericórdia ao sofrimento de um pássaro que encantava cantando, mas poderia ter uma morte sem dor. Ou uma vida sem éter? Na crônica de Drummond, o pássaro ressuscitou. Na arte, o milagre se faz!

Aceitei “A repartição dos pães”, de Clarice Lispector. O sábado não deveria ter almoço por obrigação. Deveria ser por prazer. Mas eles existem! Muitas vezes é tempo de confraternizar. De abraçar. De relativizar as diferenças. O ensinamento dessa crônica vem no final: “pão é amor entre estranhos”. Existem almoços que alimentam os nossos corações. Muitas vezes nem percebemos quando iniciamos ou terminamos. Mas há almoços que a comida fala... claro, para quem tem ouvidos. A autora de “Perto do coração selvagem” nasceu na Rússia, mas sua família veio para o Recife quando Clarice tinha apenas dois meses.

Será que as marmotas existem? Na política há fartura. Mas a marmota do conto da cearense Raquel de Queiroz assustava homens, mulheres e crianças. Bichos apareciam mortos perto de onde a marmota era vista. Inclusive cobras venenosas e até o cadáver de um ser humano. Gente que não costumava mentir, se arrepiava e jurava ter visto a marmota. Gente que não bebia também. “Visagem de bêbado fede a cachaça”. A autora de “O quinze” desconfia da existência da marmota. “Será que eles mentem somente nesses casos? Ou se enganam, ou sonham?” E você, amigo leitor, já viu uma marmota?

A arte permite viver briga que, talvez, ainda não tenhamos vivido ou que não desejamos viver. No conto “Partilha”, Rubem Braga escreve sobre a divisão de bens. A herança. O conto se chama: partilha. A briga é por uma rede e um canivete. Um filho, geralmente o que mais busca tirar vantagens, começa assim: “Você fique com o que quiser, eu não faço questão de nada. Mas...”. Os três pontinhos são o contrário da gentileza inicial. Com meus botões, imagino que este tipo de diálogo vai além da ficção.

O cronista Fernando Sabino, no conto “Reunião de mães”, traz um tema recorrente... na chamada reunião dos pais, promovidas pelas escolas, aparecem, majoritariamente, mães. Logo, brinca com o título, visto que as genitoras dominam o ambiente. Os poucos homens ficam perdidos no meio de muitas saias. Os assuntos são ótimos. “Por que meninos não gostam de verdura?”. Uma mãe recebeu um bilhetinho dizendo para não obrigar o filho a comer verdura. Claro, a letra na agenda era do próprio filho.

Fernando Tavares Sabino nasceu em Belo Horizonte, a 12 de outubro de 1928. Começou a escrever e publicar na Revista Argus aos 13 anos de idade. Entre os diversos livros que publicou: “O homem nu” e “A mulher do vizinho”.

“O bar”. Ambiente de comemorações. Brigas. Intrigas. E claro, paquera. De amor. O personagem Bom Gigante definiu o “Bar Nacional” como “a casa de quem não tem casa”. Este bar foi derrubado. Destruído. Mas se eternizou na crônica de Manuel Bandeira.

O cronista nasceu em Recife, no dia 19 de abril de 1886. Morreu no Rio de Janeiro a 13 de outubro de 1968. Era tradutor e publicou muitas obras, entre as quais: “A cinza das horas”. A crônica “O bar” deixa uma interrogação: “Porque tudo que tem de fresco é viagem gasta e destrói...?”

Menino de cidade adora coisas de sítio. Este escriba tem a sorte de ter um filho, Pedro Henrique Dantas Pinto, que desenha dinossauros o tempo todo. Que adora ir para o sítio da avó Ivanete de Oliveira Pinto para filmar os bichos. Na crônica “Menino da cidade”, Paulo Mendes Campos descreve o menino do Rio de Janeiro que se desespera ao perder uma tartaruguinha. Que planta grãos de feijão em lata e cultiva no banheiro do apartamento. O menino da cidade já é fazendeiro. A imaginação não deve ter limites. Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte no dia 28 de fevereiro de 1928. Entre as obras: “O cego de Ipanema”.

Com política ou sem política na pauta, a literatura é sempre prazerosa. Contra fel,mulestia, crime, Chico Buarque  recimenda Dorival Caymmi.  Contra a intolerância, mordaça e ignorância, vá de cronistas modernos. Drummond, Clarice, Fernando, Bandeira, Campos, Raquel e Braga estão todos reunidos no livro “Elenco de cronistas modernos”. Editora Sabiá.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).