Andrezza Tavares

26/10/2017 11h14
Autoras:
Andrezza M. B. N. Tavares 
Cybelle Dutra da Silva  
Haudália Magna Verçosa de Sousa  
 
Quando falamos em nossas práticas cotidianas pensamos em currículo, pensamos em conhecimento, e esquecemo-nos que o conhecimento que o constitui está envolvido no que somos e nos tornamos, nossa identidade, nossa subjetividade.
 
Vale destacar que o currículo constitui o elemento central do projeto pedagógico, ele viabiliza o processo de ensino aprendizagem. Contribuindo com esta análise Sacristán afirma que:
 
 O currículo é a ligação entre cultura e a sociedade exterior à escola e a educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (idéias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições (SACRISTÁN,1999, p. 61
 
Quando falamos de currículo, não podemos entender como algo predeterminado, isto é, como um “produto” a ser disponibilizado segundo regras e normas específicas. Uma vez que se trata de um processo que resulta das múltiplas relações que se estabelecem entre diferentes membros, em contextos diversos, é um processo complexo, não sendo por isso possível predeterminá-lo à partida. 
 
Ao pensar em currículo devemos pensar em um processo que é construído social e culturalmente, daí afirmarmos que é fruto de conflitos das lutas de classes tendo em vista as tradições culturais variadas e as diferentes concepções sociais advindos da organização do trabalho e consequentemente das lutas de classes. Tais diferenças são realçada por contada divisão decorrente da organização do trabalho visto que a escola, através  do currículo,  historicamente utiliza mecanismos para instituição de um discurso ideológico da classe burguesa.
A proposta de uma formação humana em uma perspectiva de totalidade relacionada aos processos educacionais e de Currículo Integrado é muito antiga daí a necessidade de nos reportarmos à concepção de trabalho. É consenso entre os teóricos que o que define a existência humana é o trabalho. Saviani destaca:
 
Através desta atividade, o homem vai produzindo as condições de sua existência, transformando a natureza e criando, portanto, a cultura e um mundo humano. Esse mundo humano vai se ampliando progressivamente com o passar do tempo (SAVIANI, 2003, p. 133).
 
À medida que o homem vai transformando o que estar ao seu redor, ele o faz com objetivos determinados, na tentativa de se adequar ao espaço para garantir a sua existência. Historicamente o homem, através do trabalho e das relações sociais vai construindo uma identidade no processo de aprendizagem escolar, aspecto presente no capitalismo quando as relações sociais estão mais centradas na esfera urbana o que contribui para que a escola seja vista como a instituição para sistematização do conhecimento escolar e é neste contexto que a escola se compromete com a formação que esteja em consonância com este modelo de produção. A instituição escola ao organizar o currículo, nesta perspectiva, pensa como sendo o trabalho a base da existência humana. Daí Saviani afirmar que:
 
O homem transforma a natureza ao mesmo tempo em que se relaciona com
os outros homens. Essa é a base do currículo da escola elementar. O currículo da escola elementar envolve o conhecimento da natureza porque se o homem, para existir, tem de adaptar a natureza a si, é preciso conhecê-la. Progressivamente, ele vai desenvolvendo formas de identificar como a natureza está constituída, como se comporta, ou, em outros termos, que leis regem a existência e a vida da natureza.  (SAVIANI,2003, p. 135).
 
Como se observa, na citação de Saviani, a importância da presença das ciências naturais no currículo escolar associado às ciências sociais e à escrita constituem-se em conhecimentos científicos que são traduzidos no currículo escolar na escola elementar. A LDB n. 9.394/96 ao tratar do Ensino Médio destaca como etapa final da Educação Básica e como tal esta deve propiciar a formação geral, aspecto indispensável no exercício da cidadania e meios para o desenvolvimento no trabalho e estudos posteriores.  No Ensino Médio, vamos no deter no currículo a partir da década de 1990, especialmente com a discussão em torno do currículo integrado.
 
O discurso sobre Currículo Integrado, no Brasil, é reacendido na década de 1990 quando da discussão e mobilização por uma educação pública de qualidade no Brasil e no bojo das reformas educacionais deste período. Entretanto, esta discussão foi adiada quando da instituição do Decreto n. 2.208/97 que separa de forma estrutural o Ensino Médio da Educação Profissional. Em 2003 e 2004 a discussão focaliza a revogação do Decreto n. 2.208/1997 e a elaboração do Decreto n. 5.154/2004 com uma possibilidade de integração do Ensino Médio com a Educação Profissional. A integração.
 
Significa que se busca enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos (CIAVATTA; FRIGOTTO; RAMOS, 2005, p. 20).
 
Esta perspectiva de currículo integrado percebe a realidade como um todo concreto. Para Ciavatta o currículo integrado estar relacionado na totalidade da formação do ser humano:
 
Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 85).
 
Também pode-se apontar como uma das características de Currículo Integrado a formação do ser  humano com a capacidade para entender  todas  as formas de relações sociais, políticas e econômicas, além de transformar a sua realidade. O Currículo Integrado está relacionado também com a formação de sujeitos autônomos quebrando com a fragmentação e a neutralidade que se prega com relação ao currículo contribuindo assim com uma formação em que se vislumbre a emancipação.  Entretanto, este discurso ao ser transformado em instrumento legal veio permeado por uma visão conservadora tendo em vista as diretrizes propostas pelos organismos internacionais, dentre eles destacam-se: Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
 
 A orientação destes organismos é que o currículo tivesse como foco as competências desvirtuando o caráter emancipador e de totalidade e ratificando o dualismo educacional. Marise Ramos faz algumas considerações críticas à Pedagogia das Competências:
 
A pedagogia das competências apóia-se no pressuposto de que os saberes são construídos pela ação. A competência caracteriza-se pela mobilização de saberes, como recursos ou insumos, por meio de esquemas mentais adaptados e flexíveis, tais como análises, síntese, interferências, generalizações, analogias, associações, transferências, entre outros (RAMOS, 2005, p. 117).
 
Ramos destaca a ênfase que é dada na consecução das competências em detrimento de conteúdos que foram organizados historicamente e que podem contribuir para o desenvolvimento de uma maior autonomia e consequentemente de uma emancipação frente à ordem hegemônica instituída pela sociedade capitalista.
 
O Currículo Integrado é uma tentativa de possibilitar aos estudantes terem acesso aos conhecimentos científicos e culturais da humanidade, possam ter acesso à espaços para o desenvolvimento da experimentação e das práticas de estudo e investigação;  neste contexto precisa de uma atitude docente diferenciada, esta passa necessariamente pelo processo de formação inicial e continuada que deve estar subjacente à Política Pública de Educação Profissional. Daí se afirmar que o ensino pautado em um Currículo Integrado se diferencia dos projetos vinculados aos interesses de mercado. É um ensino que pretende formar um profissional crítico, que seja capaz de refletir sobre sua condição social e participar das lutas em favor dos interesses da coletividade.
 
O Currículo Integrado contrapõe-se aos processos de formação meramente voltados para a preparação de mão-de-obra para o mercado, pois contempla as demais dimensões do conhecimento, como a ciência e a cultura. Por trazer essa visão da totalidade, ele abre um espaço para que o pensamento não fique limitado aos valores hegemônicos da sociedade brasileira. Ao contrário, o Currículo Integrado, à luz de teóricos que discutem esta temática dentre eles destacam-se, Frigotto, Ciavata e Ramos, é um instrumento capaz de auxiliar educandos e educadores na identificação das contradições existentes no sistema econômico e social. Para que isso ocorra, no entanto, é fundamental entender que “Não se trata de uma ferramenta de ensino (aspecto operacional/instrumental/metodológico), mas de uma concepção de currículo e prática pedagógica” (LIMA FILHO; MACHADO, 2012, p. 5). Esta sua dimensão política é fundamental para que a educação continue contribuindo na construção de projetos alternativos de sociedade.
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Diante do exposto conclui-se que a com a Política Pública de Educação Profissional vem se consolidando e construindo uma identidade própria. Em seu percurso histórico apresentou alguns avanços e recuos, porém, em termos de avanços destacamos a concepção de Currículo Integrado. A discussão sobre esta concepção data da década de 1990 e através do Decreto n. 5.154/2004 foi instituído, embora saibamos que um Decreto é provisório, mas ele acena para uma perspectiva, de fato, de uma Educação Integrada. 
 
Ao discutirmos Currículo Integrado precisamos pensar em uma educação que veja o homem como um ser histórico, social e concreto. Nesta perspectiva a educação deve ser total na tentativa de um desenvolvimento omnilateral de ser humano e que proporcione a compreensão dos aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais e que além de tudo tenha o trabalho como princípio educativo.  A ênfase do trabalho como princípio educativo relaciona-se à compreensão de todo o processo de existência humana. Daí se afirmar que a instituição de Currículo Integrado no processo de ensino significa um passo na organização e constituição de uma educação de qualidade e consequentemente uma sociedade mais humana. 
 
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