Cefas Carvalho

19/09/2017 01h30

Ainda sobre o interminável debate quanto à exposição Queer no Santander Cultural, leio no post de um amigo jornalista comentário de um cidadão afirmando que "além da exposição de zoofilia e pedofilia a público infantil, havia inclusive sala anexa para apalpamentos".

Não, querido, não havia "sala para apalpamentos nenhuma". Resolvi dar uma geral no perfil dele e constatei o que já desconfiava. Ela não indicava que tinha ido jamais a um museu na vida. Como muitas das pessoas que criticaram a exposição, incluindo amigos meus.

PESSOA QUE NÃO VÃO A MUSEUS DECIDEM OPINAR E CRITICAR UMA EXPOSIÇÃO EM UM MUSEU!

Aí dias atrás um juiz tresloucado decidiu proibir (o que nem poderia, pela Constituição) uma peça teatral na qual o papel de Jesus é vivido por uma atriz trans. Muita gente, novamente incluindo amigos e conhecidos, resolveu vociferar contra o teatro atual que desrespeita a sensibilidade religiosa e etc e tal. Fui conferir se os críticos haviam assistindo à tal peça ou a qualquer outra peça teatral na vida, tentei lembrar se já esbarrei com eles no Teatro Alberto Maranhão, na Casa da Ribeira, no TCP. Jamais, claro.

ENTÃO, PESSOAS QUE NÃO FREQUENTAM TEATROS DECIDEM CRITICAR UMA PEÇA TEATRAL E A CENA TEATRAL MODERNA.

Há dois dias Pabllo Vittar brilha no palco principal do Rock In Rio, no show da Fergie, e em outro palco Johhny Hooker, Lineker e Almério também brilham com show de empoderamento LGTB com direito a beijo no palco. Aí internautas reclamam que o Rock in Rio "virou uma parada gay e que antes não era assim, que o rock está gay demais". Aí muita gente lembra a estas criaturas que o primeiro RIR teve como atrações ninguém menos que Ney Matogrosso  e Freddie Mercury e que Cazuza, Renato Russo, David Bowie, Mick Jagger. Elton John, Michael Stipe eram/são gays ou bissexuais.

OU SEJA, GENTE QUE NÃO CONHECE ROCK, NÃO OUVE ROCK, RESOLVE DAR PITACO SOBRE FESTIVAL DE ROCK E ROQUEIROS.

Peço desculpas pelo excesso de maiúsculas, pecado dos brabos para quem se dedica a escrever de maneira séria, mas aqui se torna necessário para ilustrar a ideia básica do texto que é também uma indignação: PESSOAS QUE NADA SABEM SOBRE UM ASSUNTO RESOLVERAM OPINAR SOBRE ELE. OU SOBRE TODOS OS ASSUNTOS.

Efeito colateral da internet e da inclusão digital, como observou e previu Umberto Eco? Possivelmente. Mas, também há um outro raciocínio: não se está dando voz demais a quem nada tem a dizer?

O raciocínio é elitista e soa feio, claro. Mas, há lógica em um filósofo ou um astrônomo postar um texto objeto de muito tempo de pesquisa e raciocínio e em seguida ser rebatido e conflitado por um rapaz de 15 anos que não gosta de estudar e que mal leu três livros na vida? E em seguida os amigos filósofos/astrônomos do autor do post "debaterem" com o rapaz, que, claro, vai se valeu de frases feitas e memes com grandes chances de "vencer" a discussão. Há lógica nisso?

Venho debatendo com amigos e estudiosos de comunicação sobre estes tempos de redes sociais, na qual mesmo com o Google e sua possibilidade quase infinita de pesquisa estar tão à mão e mesmo assim tanta gente postar/compartilhar matérias e informações falsas e opinarem sem ter uma noção básica sobre o tema.

Na era na pós-verdade, pesquisar sobre um assunto e bagagem cultura e/ou científica ficaram em segundo plano. A possibilidade de debater com certezas pré-fabricadas e frases feitas, com agressividade de bônus, gerou legiões de trolls e haters.

Há solução para isso? Não sei. Da minha parte, iniciei uma política de, ao menos, afasta-los de mim. Não compactuo com opinião sem embasamento e/ou que falte com a verdade. Desfiz amizades e bloqueei gente por causa disso, o que a princípio me doeu, mas, hoje, a julgar pelo que vejo em timelines de amigos, foi o certo a se fazer.

Gosto de debates, de conflitos, de sair da zona do conforto. Mas vir me dizer em plano 2017 que a terra é plana ou que não existiu Ditadura Militar, como diz a moçada mais jovem, não dá pra mim não.


*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).