Wellington Duarte

18/09/2017 00h22

A notícia de que o Ministério Público do Trabalho do RN (MPT) entrou com uma ação de indenização contra a Guararapes devido a várias irregularidades encontradas em facções têxteis, um estratagema dos grupos empresariais para terceirizar a sua produção e diminuir os custos de trabalho, causou alvoroço na pequena a e anacrônica elite da indústria daqui, com o presidente do Grupo Guararapes, Flávio Azevêdo, ameaçando expandir as facções para a Paraíba e o Ceará, numa clara retaliação ao MPT  por ter se “intrometido” no seu campo dos sonhos.

Lembremos. Em 2013 o Grupo Guararapes fez uma forte expansão das facções, apoiado no Programa Pró-Sertão, do então governo Rosalba Ciarlini e o propósito era de encher o sertão de facções, utilizando mão-de-obra barata e sendo dada a pequenos empresários que seriam apoiados pelos chefetes locais e provinciais. Essa “modernização”, que se aproxima da subcontratação, muito utilizada nos séculos XVIII e XIX pelo setor têxtil, nada mais é do que a diminuição dos custos operacionais da “empresa mãe”, mas que num cenário desolador na indústria têxtil e de confecções do RN, foi recebida de braços abertos pelos trabalhadores seridoenses.

Na época o mentor desse processo foi o então secretário de Desenvolvimento Econômico do RN, Rogério Marinho, encarregado de escolher os locais mais adequados para o estabelecimento das frações, junto com o SEBRAE, FIERN, SESI e por ai vai. Marinho, que abraçou o reacionarismo desqualificado como profissão de fé, logo entrou em atrito com o Ministério Público do Trabalho de “atrapalhar” a implementação do “revolucionário” programa de governo e mesmo depois que saiu do cargo, continuou a vociferar contra o MPT.

A expansão das facções acabou gerando o que naturalmente o capitalismo faz: concentrar. Se a produção foi desconcentrada na planta principal, rapidamente surgiram condições de reconcentração desse capital espalhado. Como exemplo tem-se a CMedeiros, cujo proprietário pelo vice-presidente da Associação Seridoense de Confecções, Ricardo Medeiros, que hoje controla 11 facções e detém mais de 400 empregos.

Em março desse ano, com a aprovação da terceirização ampla, geral e irrestrita, os empresários do setor têxtil soltaram rojões por aqui, comemorando a possibilidade de expansão dos seus negócios com precarização do trabalho, sem ter que responder à lei. A Guararapes, principal beneficiária do projeto Pró-Sertão, com 61 facções produzindo 500 mil peças para o grupo e representando 17% da produção instalada do Distrito Industrial de Extremoz, com 3 milhões de peças produzidas.

Pelo menos 62 facções têxteis do Seridó, distribuídas pelas cidades de Parelhas, Cerro Corá, São José do Seridó, São Vicente, Acari e Jardim do Seridó, e cerca de 2.600 trabalhadores, podem ser atingidos no processo, já que a Guararapes se recusa a reconhecer essas facções como parte da sua estrutura e a multa seria repassada aos donos das oficinas e obviamente os mesmos não teriam como pagar.

Ocorre que, de acordo com os procuradores do Trabalho, a responsabilidade solidária da Guararapes se dá no momento da assinatura do contrato de adesão com essas facções, que ficam obrigadas a produzir de acordos como as especificação da matriz, o que significa ter maquinário moderno e adequado, ou seja, seria necessário uma produção e um preço que permitisse a reprodução do Capital inicialmente investido. Sendo de adesão, as facções não podem negociar nada e o preço por peça é determinado unilateralmente pela “empresa mãe”.

De acordo com os procuradores, como a Guararapes não é obrigada a fazer um fornecimento regular das peças para as facções, mas pode cobrar seu envio, criou-se um desequilíbrio entre a capacidade de pagamento e o aferimento de lucros e muitas pequenas facções faliram e não tendo capital de giro, se meteram em ações trabalhistas por parte dos demitidos.

E mais, a adoção das facções não aumentou o emprego no setor, já que a Guararapes baixou de 10.034 empregados em dezembro de 2013, para 7.539 empregados em abril de 2017, uma redução de 28,8%, o que demonstra que as facções apenas absorveram, em boa medida, a diminuição do total de empregados da “empresa mãe”, sempre de acordo com os procuradores do Trabalho.

Com a notícia em curso, nas carreiras Robinson reuniu ontem (14) os donos de facções e disse que pretende lançar mão do que dispõe para ajudar os donos dessas oficinas de ofício, a saírem dessa situação e os presidentes da FECOMERCIO, deputados estaduais, o próprio belicoso Rogério Marinho, saíram em defesa da Guararapes, afinal, segundo eles, “geram empregos”, colocando os procuradores do trabalho como os “vilões” do caso.

Interessante notar que nesse mundo empresarial hipócrita, o capitalismo é de araque, pois quando se fala em competitividade se pensa imediatamente numa ação governamental que proteja os interesses do setor têxtil. A Guerra Fiscal, típica desse ordenamento tributário e fiscal tosco que o Brasil tem e graças aos governadores, que teimam em não querer uma reforma tributária é utilizada ampla e desavergonhadamente pelos empresários para chantagearem os governos, criou uma espécie de “padrão de chantagem” que se repete a cada tosse que a história dá, e no caso das facções, os interesses da “empresa mãe” são colocados bem acima dos interesses de quem gera a riqueza efetiva, e esse mereceria, pelo menos, mais atenção dos pseudo-capitalistas.

Com 140 facções espalhadas pelo RN, sendo que 62 estão ligadas à Guararapes, gerando pelo menos 5 mil empregos diretos, a melhor forma de sair desse impasse, se é que existe, e que o governo intermediei negociações que preservem os empregos, mas que se exija responsabilidade da Guararapes, afinal, com a volta da escravidão disfarçada em novembro, ela pode se dedicar a espoliar, sob as algibeiras da lei, os trabalhadores do setor.

Seria, entretanto, de bom alvitre, para todos os envolvidos, ouvirem a opinião dos que são representantes dessa categoria, pois a tendência "natural" no RN é que o lado gerador de riqueza na relação entre o Capital e o Trabalho, este último portanto, é sempre colocado em segundo plano.

O resto é discurso.


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