Pinto Júnior

01/09/2017 11h58
O presidente do Sindicato dos Policiais Federais (SINPEF), José Aquino, se mostra um ferrenho defensor de mudanças cruciais na estrutura das polícias civil e federal no país para que seja possível vislumbrar um novo cenário.
 
Em entrevista para o Jornal Potiguar Notícias, na última quarta-feira (30), José Aquino explicou quais as mudanças que devem ser feitas e como elas tornarão o trabalho da polícia mais eficiente.
 
José Pinto Júnior: O sentimento que temos, em relação à proteção de nossa família e nossos amigos, é que aqueles que atuam fora da lei perderam o respeito pelo Estado, que é quem tem a legitimidade de usar a arma e a força para garantir a segurança pública. Como policial, o senhor vê que esse atrevimento é uma demonstração dessa falta de respeito?
José Aquino: Essa sensação de impunidade que existe pela falta de reação do Estado ao enfretamento do crime, tem propiciado essa facilidade para se cometer crimes por parte das pessoas que estão à margem da lei. Segundo a OAB do Rio Grande do Norte e o Observatório da Violência Letal Intencional, dos 1600 homicídios que ocorreram no estado, esse ano, em cerca de 50% dos casos sequer foi aberto investigação. Isso é muito grave! Essa é a grande questão que nós temos discutido recentemente. Há uma necessidade urgente de tomarmos algumas medidas federais e estaduais para que consigamos retomar ao Estado esse poder de enfrentamento à criminalidade. Caso contrário, vamos perdurar nesse caos.
 
José Pinto Júnior: A polícia dispõe de mapas onde acontece o maior número de violência?
José Aquino: Há, sob o controle do governo estadual e da secretaria de segurança, a perfeita definição dessas manchas criminais. Infelizmente, há uma concepção equivocada de alguns gestores da polícia potiguar em achar que apenas o policiamento ostensivo irá resolver esse problema. Para quem é dessa área e estuda minimamente sobre segurança, o fundamental é atuar em duas vertentes: o enfrentamento à marginalidade e o trabalho de investigação criminal.  Isso vai subsidiar tanto a atuação da polícia operacional quanto as denúncias feitas à justiça. O modelo de investigação brasileiro continua retrogrado e contraproducente. Desde 2010, nós estamos em constante busca por constantes e efetivas mudanças no policiamento brasileiro.
 
José Pinto Júnior: O nosso modelo está na contramão dos modelos de países que dão certo, como por exemplo, o Chile e os EUA. Quais são os pontos cruciais no que diz respeito a esses erros do nosso modelo?
José Aquino: O modelo de investigação policial brasileiro é completamente ultrapassado e extremamente burocrático. Se alguém já teve a infeliz necessidade de precisar ir a uma delegacia de polícia, essa pessoa viveu essa realidade. Se você tiver um objeto roubado, não perde menos de três horas para fazer o registro da ocorrência. E depois nenhuma investigação é realizada. Imagine resolver o problema, encontrar a pessoa que roubou e fazer a denúncia à justiça do cometimento do crime? Por questão corporativista, os delegados ocuparam as polícias federal e civil e burocratizaram excessivamente o processo investigatório. Nós, hoje, temos resolução de crimes de homicídio num índice absurdo de 5%.  Com relação a furto e roubo temos uma produtividade com menos de 1%. No Chile, esse índice ultrapassa 95%. Essa sim é uma polícia efetivamente produtiva. No Brasil, a solução passa, fundamentalmente, pela reforma nas polícias.
 
José Pinto Júnior: Quais são os principais gargalos e onde deveriam mudar? 
José Aquino: Há uma discussão interna grande. Nós, policiais investigadores, avaliamos que quanto mais ágil e técnica a polícia for e, obviamente, menos burocrática, mais produtiva ela será. Nos sistemas que funcionam o investigador soluciona o crime, faz um relatório e entrega ao ministério púbico para que ele faça a denúncia à justiça. No Brasil, se perde um imenso tempo burocratizando esse processo. Ao tornar o policial mais técnico, os locais dos crimes serão totalmente ocupados por profissionais com condições de coletar dados que vinculem o criminoso à cena do crime, responsabilizando-o pelo seu ato. 
 
José Pinto Júnior: É preciso que haja grandes investimentos para essa mudança? Ou isso passa por uma questão de posicionamento cultural?
José Aquino: A questão é cultual mesmo! O relato do crime é mais valorizado do que a obtenção de provas. É muito comum a alteração da cena do crime nos relatos. Na verdade, não há necessidade de grandes investimentos. Existe é a necessidade de treinar os policiais. O que nós do sindicato combatemos veementemente é quando se prioriza a burocracia.
 
José Pinto Júnior: O senhor acha que o excesso de burocracia na policia pode significar para a população que o crime é deixado para depois e que isso gera impunidade?
José Aquino: Essa semana eu ouvi uma propaganda da DEPOL, a Associação de Delegados, que diz “a justiça começa na delegacia”. Em verdade, de acordo com os índices que citei aqui, há um grande equívoco nessa afirmação. É a injustiça que tem começado nas delegacias, já que eles não conseguem resolver os crimes.
 
José Pinto Júnior: Onde deve começar a justiça?
José Aquino: A questão da segurança pública tem uma concepção bastante ampla, vai desde saúde e educação até o cotidiano da população. A justiça começa no respeito ao cidadão! O que nós precisamos é implementar mudanças simples que farão com que o cidadão se sinta seguro e perceba que há justiça no país.
 
José Pinto Júnior: O senhor não acha pequenas atitudes, muitas vezes não necessariamente criminais, estão na raiz da causa da violência?
José Aquino: Não resolveremos o problema de segurança pública sem modificar o modelo vigente. Sem investimentos sociais, não há resolução. Tem que colocar nossa juventude nas escolas e preparar essas pessoas para o mercado de trabalho. Dessa forma, resolvemos a base da questão da insegurança. Tem que haver união e cobrança. 
 
José Pinto Júnior: Segurança pública vai além da atuação da polícia. Ela precisa ter conexão com os setores de políticas públicas promovidas pelo Estado?
José Aquino: O que ocorre é que a situação é tão grave que precisamos tanto de ações estratégicas de longo prazo, como investimentos em educação, quanto criar atuações emergenciais diretamente ligadas ao sistema investigativo. Eu digo muito que se não conseguirmos fazer uma grande investigação sobre o financiamento das facções criminosas, nunca vamos resolver essa situação porque eles estão brigando entre si e atacando a sociedade para conseguir juntar recursos para se financiar. Estranho é os gestores da segurança pública não serem suficientemente competentes para atuar.
 
José Pinto Júnior: É sabido que, quanto ao tráfico, em países que são referência, o Estado ataca diretamente as fontes de financiamento. Eles estão estruturados porque estão ricos.  Essa geração de renda vem da venda de drogas, dos assaltos e dos sequestros. Como resolver isso?
José Aquino: Nós temos que olhar para nossa atuação e ter a consciência de que poderíamos ser mais produtivos. A questão das fronteiras é emblemática. A polícia federal tem sido incompetente em controlar as fronteiras. Por exemplo, o Brasil não produz os armamentos que são usados pelos criminosos. Mas eles chegam às mãos deles. Lógico que o controle das fronteiras não está funcionando. Temos projetos que receberam investimentos, mas não foram efetivados. O que, em verdade, ocorre e vem sendo discutido com a  sociedade é que qualquer grande mudança na segurança pública passará, naturalmente, pela reestruturação das polícias. É preciso que haja uma porta de entrada única nas polícias de modo que, ao longo do tempo, a pessoa vá adquirindo conhecimento. Quando esse policial tiver uma extensa carreira e um comprovado tempo de serviço competente, ele se torna apto para gerir esse órgão. Acredito que a prática vinda da experiência profissional seja um reflexo nas decisões táticas e estratégicas que ele precisa tomar em um cargo de liderança. O entrave nessa mudança acontece porque os delegados e oficiais das polícias não querem sair de sua zona de conforto. Eles acham que a carreira única os prejudicaria. São cargos que precisam continuar existindo, mas ocupados por pessoas que estão preparadas com tempo de experiência suficiente.
 

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