Daniel Costa

16/08/2017 21h34

Eu só queria escrever alguma coisa legal sobre ela, procurar na mente boas lembranças que me fizessem sorrir. Recordar-me da sua personalidade, da maneira racional de viver, como se todas as coisas do mundo pudessem ser destrinchadas através de um caderno, de um lápis grafite com a ponta afiada e de alguns cálculos matemáticos. Também queria lembrar dos braços brancos que se abriam para o abraço quando alguém da família descia do carro, depois de estacioná-lo embaixo de um dos pés de cajá, logo que ultrapassada a última das três porteiras que desaguava no quase brejo onde se localizava a casa do sítio Poções.

Queria contar sobre o dia em que ela esboçou um largo sorriso, após descobrir que eu, garotinho imberbe, estava andando com as botas calçadas nos pés trocados; ou quando me ensinou a sibilar para chamar patos e galinhas, que corriam desesperados em busca de um punhado de milho. Quem sabe, falar acerca do episódio quando ela se encontrava a postos, na porta dos fundos da casa, tal e qual um sargento responsável pela segurança da tropa, aguardando pra saber o quanto de fumaça e de bebida o praça indisciplinado havia ingerido na sua noite de fuga.

Talvez fosse legal descrever a vez em que me perguntou se eu sabia comer macarrão, e ao invés de enrolá-lo no garfo à moda burguesa resolvi mostrar-lhe, para o seu horror, como se dá uma boa sugada numa linha de talharim, no melhor estilo Cookie Monster do Vila Sésamo. Quem sabe, até mesmo falar sobre o dia em que ela dormiu lá em casa e colocou na minha cabeça que eu deveria rezar o Santo Rosário, sem direito ao videogame como prêmio. Sobretudo, queria recordar-me daquela risada meio parecida com a do Zacarias, que me fazia lembrar das gargalhadas da mamãe, só que sem alcançar a entonação de um quase escândalo.

Eu só queria escrever coisas legais sobre ela. E não há mesmo razão para que outras coisas mais sejam escritas, quando são essas e algumas outras lembranças desgarradas que fazem com que ela sempre esteja um pouco dentro de mim. É isso que se deixa no final: um aparente quase nada, que significa a essência do viver.


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