Daniel Costa

02/06/2017 09h49
O presente é um aspecto do passado. O passado está contido no presente. Interessante essa ideia do tempo, acho que desenvolvida por William Faulkner e resumida num genial aforismo de Mário Quintana: "O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente ". 
 
Vivemos hoje um tempo que parece se remeter ao que já passou. Muitas pessoas comparam os acontecimentos políticos atuais com os lances que se desenrolaram outrora e que desaguaram no golpe de 64. Outras tantas, porém, refutam essa ideia, dizendo não ser possível pretender ver o presente com a lupa de um passado que se deu em outras circunstâncias, com a participação de diferentes personagens.  
Difícil saber com quem está a razão. Mas talvez entre essas duas ideias caia bem a noção de tempo de Faulkner, de ver o passado como uma dimensão do presente sem o qual o próprio presente estaria mutilado. Seria como pensar, por exemplo, que os fatos que antecederam a ditadura militar fizessem parte dos acontecimentos atuais, ainda que o hoje e o ontem sejam coisas diversas. 
 
Um  dos acontecimentos que contribuiu decisivamente para o golpe de 64 foi o desejo do grande capital de jogar pelos ares as reformas progressistas iniciadas por Getúlio e ampliadas pelo governo de João Goulart. Escreveu Getúlio Vargas, na sua carta testamento, que "(...) as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim". (...). A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho.  A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. (...) Não querem que o povo seja independente. (...) Os lu-cros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. (...) Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida (...)".
 
O solapamento que hoje se vê de inúmeros direitos da população em  benefício do grande capital, parece ser a face de um passado que permanece vivo, presente, como pensado por Faulkner. Getúlio Vargas acreditava que a sua morte poderia influenciar todo o futuro do país. Por isso mesmo, é até possível imaginar que ele concordasse com aquela ideia do escritor norte-americano. Daí também ter escrito que "(...) quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate (...)". 
 
O ex-presidente morreu apostando na perenidade do passado. Agiu, no entanto, sem levar em consideração que numa batalha do tempo entre ele e o grande capital, as forças do mercado poderiam levar a melhor. Afinal, para quem tem muito dinheiro e poder, o passado nunca passa. 

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