Cefas Carvalho

21/02/2017 23h01

Há coisa de algumas semanas eu e minha filha Ananda estávamos pesquisando roupas em uma dessas grandes lojas, quando ela, ao retornar da sessão feminina, mostrou sua decepção: "Papai, as estampas de camisas femininas são bobas, pouco variadas e infantilizadas, mesmo quando para adolescentes". Fomos lá conferir, e era isso mesmo. Partimos para outras lojas, fizemos todo o périplo; C&A, Leader, Riachuelo, depois Extra e Hiper. Todas iguais. Para os meninos, estampas com esportes radicais, cores variadas, Star Wars, esportes, Harry Potter, posters de filmes, Simpsons etc etc.

Para as meninas, Minnie, a Marie dos Aristogatas, uma ou outra frase mais descolada, geralmente com as palavras "Fashion" e "Paris", e a única de Star Wars que encontramos tinha um surreal Darth Vader em tons de... rosa.

Uma semana depois, saindo para as mesmas lojas com minha enteada Anna Julia, ouço rigorosamente a mesma reclamação: "Na sessão feminina nunca tem os modelos e as estampas que eu gosto", lamentou. Em relação ao problema imediato das jovens - camisas com as imagens que elas curtem - o problema foi resolvido com rapidez e praticidade: Ananda e Julia escolheram e compraram suas blusas na sessão masculina, com excelentes resultados.

(Ah, para não haver dúvida do argumento delas, fizemos a foto da sessão para meninas de uma dessas lojas em Natal, esta que ilustra o texto)

Mas, a verdade é que o problema é mais profundo. E complicado de resolver.

A imposição de um imaginário "feminino" para as meninas e pré-adolescentes ainda é uma constante nestes dias estranhos de tanta tecnologia e neo-conservadorismo crescente. Em pleno 2017 mídia, sistema educacional, família e sociedade ainda mantém o pacto para fazer as meninas seres eternamente delicados que gostam de bonecas e querem se fantasiar de princesas da Disney? Infelizmente, sim.

Conversando com um amigo sobre o caso, ele pragmaticamente argumentou que tratava-se de uma mera questão capitalista. "Fabrica-se roupa para meninas com estampas ´femininas´porque existe uma demanda para isso". Concordo, claro, o sistema de produção não fabrica em série para não ter quem compre. Contudo, existe igualmente um outro público consumidor, grande, cada vez mais visível, de pré-adolescentes insatisfeitas com este "casulo" de opções e que consomem cultura pop, bandas de rock, Harry Potter, Game of Thrones, Walking Dead, e que desejam - e comprariam - produtos com estes temas para elas especificamente. Uma hora o sistema de produção perceberá isso.

Meu temor é que quem não perceba essas mudanças sejam justamente os já citados pais, família, escola, sociedade e mídia. Aqueles mesmos pais ideologicamente progressistas mas que se incomodam se a filha quiser ir fantasiada de Batman e não de princesa para a festa do colégio.

Que fique bem claro: não se trata de criticar as que gostam de estampas mais "femininas". Fantasiar-se de princesa é normal e sadio e se a menina gosta que os pais a ajudem nesse desejo. Se Ananda assim o quisesse eu a ajudaria a ser Cinderela, Ariel, a Bela, etc. Minha crítica é à imposição desta vontade, condicionando o fato de ser do sexo feminino a gostar de cor de rosa e Barbies. Tenho a mesma crítica em relação ao oposto em relação aos meninos, eu próprio detestava carrinhos quando criança.

Nem toda menina sonha em se vestir de princesa, assistir "A pequena sereia" ou ganhar uma Barbie. Algumas, ou muitas, preferem ser ninjas, ganhar uma bola para jogar futebol ou assistir "Velozes e furiosos". Respeito é bom, eu gosto, você gosta e as meninas também.


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