Daniel Costa

13/02/2017 09h46
Após período sabático, retorno às atividades falando de assunto que tem constrangido goitacazes e aimorés. Trata-se da indicação de Alexandre de Moraes para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. O assombro geral não chega a ser causado propriamente por se tratar de um jurista de manuais, fabricante de livros para concursos, acusado de plagiar textos de autores espanhóis e coisa e tal. Como disse Lenio Streck, isso nada mais é do que o reflexo da frágil cultura jurídica promovida no país. É possível criticar um autor de manuais, quando os próprios ministros da Suprema Corte se utilizam desses manuais para decidir? 
 
Na verdade, o que incomoda mesmo é o fato dessa indicação estar calçada em um propósito bem definido, que é o de fazer a defesa do presidente e do seu séquito no processo da Lava Jato. Alexandre de Moraes é Ministro da Justiça do atual governo, nomeado pelo presidente Michel Temer, que foi citado por incontáveis delatores no maior escândalo de corrupção da história do país. Ora bolas, o futuro ministro fatalmente participará dos julgamentos em que o seu padrinho estará envolvido. Como, então, não esperar uma atuação parcial? Como acreditar, portanto, na imparcialidade de Alexandre de Moraes, ex-advogado de Eduardo Cunha, que há pouco tempo era filado ao PSDB, e já se mostrou cupincha capaz de resolver até mesmo os problemas pessoais da primeira dama?
 
É esse estado de coisas, aliás, que diferencia a iminente nomeação de Moraes daquelas realizadas por FHC e Lula, quando alçaram à alta corte de justiça nomes questionáveis de juristas que tinham com eles vinculações estreitas, como foram os casos de Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Essas nomeações, apesar de despropositadas, não alcançaram o mesmo patamar de atrevimento da atual, simplesmente porque, à época, nenhum dos ex-presidentes se achava em vias de ser julgado pelo seu próprio apadrinhado. De todo modo, elas demonstraram o mal que a escolha de ministros, embasada nos próprios interesses, é capaz de causar à imagem do STF. Basta lembrar que Nelson Jobim ficou conhecido como o líder do governo no Supremo; Gilmar Mendes atua como um coronelzão fazendo da alta corte um palanque político digno de uma nota de rodapé no livro “Coronelismo, Enxada e Voto” de Victor Nunes Leal; e Dias Toffoli é ministro de competência jurídica duvidosa, mais citado por suas ligações com suspeitos de corrupção, do que propriamente pelo conteúdo das decisões que profere. 
 
O mais surreal de tudo isso, é que a indicação de Alexandre de Moraes é um disparate reconhecido pelo próprio Alexandre de Moraes; que em um dos seus manuais defende a tese de que quem exerce cargo de confiança no Poder Executivo não deveria ocupar um assento na corte superior, para que os cargos do tribunal não sejam utilizados como “instrumento de política partidária. De maneira a evitarem-se demonstrações de gratidão política ou compromissos que interfiram na sua independência”. 
 
A iminente nomeação de Moraes, desse modo, confabulada entre bafo-radas de charuto e passeios de chalana no Lago Paranoá, é mais um escárnio promovido pelo atual governo, que, preocupado com o próprio umbigo, manda às favas a opinião pública, dando mais um passo na procissão que levará a Lava Jato ao enterro.  

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