Valério Mesquita

20/01/2017 13h23

Escritor titular desta coluna abre espaço para o Padre João Medeiros Filho escrever análise sobre a conjuntura atual de violência e desamparo.

Atualmente parece haver uma inversão de valores e da ética. Analistas comentam que é grande nossa insanidade. Elegemos – e consequentemente adquire foro privilegiado – quem nos furta e abusa do poder. Cultuamos muitos que nos desprezam e zombam de nossa boa fé. Desvalorizamos e marginalizamos quem nos ensina. Não damos a devida importância àqueles que nos protegem e por nós se sacrificam. No início do ano, a sociedade ouviu perplexa a declaração de Sidnei Ramis de Araújo (assassino da ex-mulher, do filho e mais dez pessoas, durante o réveillon, em Campinas/SP): "Não temo morrer ou ficar preso. Como prisioneiro terei três refeições completas, banho de sol, salário, não precisarei acordar cedo para ir trabalhar, terei os representantes dos direitos humanos me defendendo, também não perderei dois ou três meses do meu salário com impostos".

Está em evidência a discussão sobre o sistema prisional brasileiro. Segundo estimativas, o país abriga hoje mais de seiscentos mil presos. Combatem-se os efeitos da criminalidade, sem atingir as causas, dentre elas, desigualdade social, falta de emprego, baixa escolaridade. A solução será polvilhar nosso território de presídios? Há quem proponha privatizar nossas penitenciárias. Mas, alguns apontam um perigo: as empresas administradoras dos cárceres receberão do Estado pagamento “per capita”. Assim, quanto mais cheia a prisão, melhor. E a reeducação? Especialistas afirmam que é preciso tirar os detentos da ociosidade e tornar as cadeias oficinas produtivas. Sugerem cursos profissionalizantes, assistência social e de saúde, ações educativas para mudar a mentalidade dos encarcerados, habilitando-os ao convívio social. E, uma vez comprovado o processo de ressocialização, proporcionar, de acordo com a lei, regressão da pena a cada etapa vencida. Eis a fala de alguns estudiosos, para os quais o problema é multidisciplinar: socioeconômico, psicológico, jurídico, religioso etc., alertando que não se pode permanecer na retórica inócua.

A Igreja ensina que, apesar dos crimes cometidos, a graça divina pode recuperar a dignidade humana. Lembra o ensinamento do Evangelho: “resgatar os cativos” (cfr. Lc 4, 18), não apenas da cadeia material, mas também da prisão interior, que os liga aos desvios sociais. De acordo com psicanalistas e sociólogos, dentre eles, o padre Bruno Trombetta (ex-coordenador da pastoral carcerária do Rio de Janeiro) “os mais extremados com o problema podem carregar em sua consciência a culpa ou o remorso de não ter sabido educar as pessoas, representadas nos apenados. Partem para um veemente libelo, que se torna muito mais a própria defesa, do que a dos presos”.

Todos são filhos de Deus. Há aqueles que questionam com sinceridade e retidão: a vida de milhões de desempregados, doentes, idosos, desassistidos... (que contribuíram ou ainda contribuem para o Estado) não deveria ter prioridade no debate nacional? Outros se interrogam: se o Estado não funciona para os cidadãos que trabalham, como há de ser para os presos? Por outro lado, existe uma pergunta que não se cala: que tratamento é dado às famílias dos que sofreram assaltos, torturas, estupros ou homicídios? O cardeal Evaristo Arns, na homilia da missa celebrada pelos mortos no motim de um presídio paulista, lembrou: “Choramos hoje nossos irmãos massacrados. Mas, não podemos ignorar as lágrimas de tantos órfãos e viúvas, suas vítimas”! O sociólogo François Houtart, em conferência na PUC/SP, exclamou: “Somos tentados às vezes a nos comover facilmente diante de algumas minorias. Isto é necessário. Mas, não podemos deixar sem resposta uma multidão que nos cobra direitos, sim direitos humanos”!

Quem luta por justiça, igualdade e melhores condições de vida, está ficando cético e cansado de batalhar em vão, enquanto os vilões continuam impunes. Parece que assistimos o enterro do aforisma: “O crime não compensa”. Oportunas e atuais as palavras de Ruy Barbosa: “De tanto ver... prosperar a desonra... crescer a injustiça... agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”.


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