Andrezza Tavares

10/01/2017 10h20
Esse texto retrata parte da discussão proposta na dissertação de mestrado da nossa orientanda Frankileide Carlos que versa sobre a importância da formação humana integral na educação profissional no Ensino Médio, cujo objetivo é analisar a educação profissional pública como direito social para os jovens na perspectiva de uma formação para classe trabalhadora. E como resultado, apontou-se uma nova proposta de formação que integra a ciência e a técnica ao processo formativo dos jovens no ensino médio, e neste estudo, na educação profissional, a fim de viabilizar outro caminho para construir uma nova sociedade que supere as contradições e antagonismos de classe por meio da formação humana integral, independente dos debates conceituais que circundam a academia em relação a essa temática.
 
Pensando o ensino médio integrado na educação profissional sob a perspectiva da formação humana integral: um caminho possível para classe trabalhadora?
 
As mudanças no cenário socioeconômico que ocorrem na primeira metade do século XIX trazem consigo repercussões no âmbito da educação e do trabalho na sociedade. Nesse contexto, a educação assumiu contornos de embates políticos, em que se engendram dois projetos, o burguês e o proletário. E esses retratam a oposição de classe da sociedade capitalista, a qual também direciona valores em relação ao campo educacional.
 
Em Marx, compreendemos que o Estado possui uma origem centrada na desigualdade e no conflito de classes oriundo a partir do aparecimento da propriedade privada, assumindo um papel de conservar a dominação e a exploração de classe na sociedade. (LOMBARDI, 2010). Para Marx, o Estado é uma forma de organização que os burgueses adotam para garantia de seus interesses.
 
E sendo o Estado uma organização política, a depender do momento histórico, ele se afirma e mantém sua soberania, exercendo diversas funções como de regulação, controle social, coerção, entre outras, e sua concepção é construída nas relações sociais e expressões de contradições das relações de produção. Desse modo, a partir da concepção de Estado adotada por determinado governo é possível compreender as políticas sociais e públicas que são implementadas em determinada sociedade e contexto histórico.
 
A partir da divisão social e técnica do trabalho, o capitalismo passa a requerer um sistema de educação de classe, e com isso ocorre à separação do trabalho intelectual e trabalho manual, e assim a escola passa a se constituir em seu desenvolvimento como sendo aquela que forma indivíduos unilaterais, seja para classe dirigente como para a classe trabalhadora.
 
Nesse sentido, a escola termina por fortalecer o modo de produção do capital, e procurar romper com essa dualidade estrutural da educação escolar é um caminho que não depende unicamente do sistema educacional, e sim um processo de transformação do modo de produção atualmente predominante. (MOURA, 2015).
 
Cabe compreender que, diferente dos animais, é próprio do ser humano produzir os meios necessários a sua existência, e esse processo de produção que ele utiliza para obter sua vida material, é desta forma a categoria ontológica da história humana. “O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza”. (MARX e ENGELS, [s.d.], p. 297)
 
A categoria trabalho tem o seu fundamento na ontologia do ser social desenvolvida por Lukács, a qual permite pensá-lo em suas propriedades educativas bem como negativas e positivas. Todavia, nota-se que o sentido como o trabalho usado na produção capitalista tem o objetivo de obtenção de lucro, por meio da lógica do trabalho compreendido como mercadoria, e com um valor excedente extraído pela mais-valia.
Nesse contexto, a educação como um campo da atividade humana, a qual se desenvolve de acordo com os diferentes modos e organização da produção, traduz-se de acordo com a fase de desenvolvimento do capitalismo, e a depender necessita de um sistema educativo que forme recursos humanos necessários a essa expansão.
 
E assim, a lógica do capital procura formar mão-de-obra tecnificada que atenda aos seus interesses em detrimento do homem integral. No entanto, em contraponto a esse pensamento, tem-se o entendimento da didática proposta por Comenius que procura “a formação do homem integral por meio de práticas que integrem a educação, a cultura e a política.” (GAMBOA, 2001, p. 85)
 
O processo educativo precisa inverter o movimento do trabalho alienado, e reaver o conceito em Marx de trabalho como extensão à existência humana, e assim recuperar o sentido do trabalho como libertação plena do homem. (NOSELLA, 2007)
 
Com a industrialização, observa-se uma ampliação da escolaridade por meio de um ensino cada vez mais especializado e em diversas áreas, cuja natureza é aparentemente politécnica, mas na verdade não amplia o conhecimento do trabalhador, e até acaba contribuindo para sua fragmentação, ampliando a subordinação do trabalho ao capital, ao mesmo tempo em que reforça o ideário burguês e culpa o trabalhador por sua situação. 
É nesse cenário que no início do novo século, a educação básica de nível médio apresenta uma geração de adolescentes, jovens ou adultos, sem acesso a educação, numa sociedade que vivencia um momento de avanços tecnológicos, e também as contradições no mundo do trabalho e suas relações com o capital, tais sejam desemprego, subemprego, trabalho precário, desregulamentação de direitos, fazendo emergir um cenário de pobreza e desequilíbrios sociais.
 
Assim, priorizar no de ensino médio a dimensão de autonomia ainda numa sociedade que tem como projeto hegemônico o interesse do capital, perpassa por se pensar em uma possibilidade futura de educação a ser materializada quando a classe trabalhadora tiver ascendido ao poder político. Desta forma, a discussão acerca da escola unitária e politécnica em seu sentido pleno para todos os indivíduos é vislumbrada para o futuro. Neste sentido, é o ensino médio integrado que pode ser apontado como proposta atual para essa formação.
 
Contudo, nota-se que as reformas para efetivação dessa política de educação para a classe trabalhadora, ainda não é sedimentada com o foco nos seus protagonistas, e sim focada no mercado de trabalho, e assim a ideia ainda reside na tarefa e não no trabalho (KUENZER, GARCIA, 2013).
 
É possível tecer uma análise sobre as políticas relativas à educação pública e de qualidade no Brasil, numa perspectiva de formação humana integral. Nos anos 1990, houve uma expressiva regressão quando a separação entre o Ensino Médio (EM) e a Educação Profissional (EP) é instituída por meio do Decreto 2.208/1996 (já revogado), cujo objetivo era na tentativa de uma mediação de educação voltada para responder às novas formas do capital globalizado, formando um trabalhador adaptado, treinado e polivalente.
 
Somente, no início dos anos 2000, momento em que o Decreto n° 5.154/2004 estabelece a possibilidade de integração EM/EP, uma proposta de EMI articulado organicamente e estruturado como uma perspectiva de totalidade de formação. Embora ainda careça de ser impulsionada pelo próprio MEC a fim de que se torne de fato uma política pública, pois ainda é bastante fragilizada na própria rede federal.
 
Como se vê, muitos entraves surgiram e ainda surgem quando se busca uma perspectiva de realizar uma política educacional voltada para concepção de um ensino médio no país, este como sendo um projeto que poderá realizar uma justiça social e efetiva igualdade, além de gerar uma expectativa de avanços para uma educação básica unitária. (FRIGOTTO, 2012). 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
Pelo exposto, buscamos assinalar a importância da formação humana integral no ensino médio na educação profissional dos jovens da classe trabalhadora, percebendo a categoria trabalho centrada na práxis social que possibilita criar e recriar não apenas na dimensão econômica do indivíduo, mas a sua cultura, intelectualidade e mundo social. Nesse sentido, sob a perspectiva dessa formação integral, o trabalho é instituído como direito e dever que se concebe num processo formativo e educativo do homem.
 
Aqui a formação humana integral é pensada como uma possibilidade para um novo projeto de sociedade para classe trabalhadora. “Educar adolescentes, jovens e adultos para uma leitura crítica do mundo e para construírem a sua emancipação implica, concretamente, que o processo educativo os ajude a entender e responder, desde suas condições de vida” (FRIGOTO; CIAVATTA; RAMOS, 1985, p. 9) bem como as questões relativas às especificidades do trabalho humano e do modo de produção capitalista. 
 
Todavia, a materialização desse projeto de formação, esbarra na disputa direta com o capital, visto que o interesse de uma educação para o mercado de trabalho sobrepõe à formação humana. E nesse cenário, o governo federal por meio de suas políticas, certo momento propõe um discurso de implementação da politecnia e da formação humana integral, e em outro não sinaliza com ações efetivas para o rompimento da dualidade educacional, o viria também a fortalecer uma transformação do atual modo hegemônico de produção. (MOURA, 2015). Muitas das mudanças para a materialização da escola unitária pensada por Gramsci implicam em decisão política e orçamento que seja capaz de financiar a educação pública.
 
Acreditamos num ensino médio integrado que fundamentado nas dimensões trabalho, ciência, tecnologia e cultura, seja capaz de propiciar aos filhos da classe trabalhadora um caminho para o acesso a uma educação pública e digna. 
 
Por fim, e se ainda não podemos concretizar a implementação de um ensino médio integrado numa perspectiva transformadora para um novo projeto de sociedade. Que possamos seguir acreditando, no sentido de que a utopia seja o meio para se continuar caminhando, e sejamos críticos e criativos, às vezes até mesmo ousados, ao pensar e fazer educação no Brasil. (NOSELLA, 2007).
 
REFERÊNCIAS
 
 ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: BOITEMPO, 2000.
 
FRIGOTO, Gaudêncio. Concepções e mudanças no mundo do trabalho e o ensino medio. In: ____; CIAVATA, Maria; RAMOS, Marise (Orgs.). Ensino Médio Integrado: concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2012.
 
FRIGOTO, Gaudêncio; CIAVATA, Maria; RAMOS, Marise. O trabalho como princípio educativo no projeto de educação integral de trabalhadores, 1985.
 
GAMBOA, Sílvio Sánchez. A globalização e os desafios da Educação no limiar do novo século. In: LOMBARDI, José Claudinei. (Org.). Globalização, Pós-modernidade e Educação: história, filosofia e temas transversais. Campinas: Associados, 2001.
 
KUENZER, Acácia Zeneida; GARCIA, Sandra Regina de O. O Ensino médio integrado à educação profissional no estado do Paraná: desafios na implementação de uma política pública. In: SILVA, Monica Ribeiro (Org.). Ensino Médio Integrado: travessias. Campinas: Mercado das Letras, 2013.
 
LOMBARDI, José Claudinei. Reflexões sobre educação e ensino na obra de Marx e Engels. 2010. Tese (Livre-docência) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.
 
MOURA, Dante. Diretrizes das reformas e contra-reformas do ensino médio e da educação profissional no Brasil: os movimentos mais recentes. Aula. Natal, 11 de setembro de 2015.
 
MOURA, Dante. Ensino médio e educação profissional nos anos 2000: movimentos contraditórios. In: ____ (Org.) Produção de conhecimento, políticas públicas e formação docente em educação profissional. Porto Alegre: Mercado das Letras, 2013 
 
MOURA, Dante; LIMA FILHO, Domingos; SILVA, Monica Ribeiro. Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições históricas da educação brasileira. In: Anais:35ª Reunião anual da ANPEd: Porto de Galinhas, 2012 (mimeo).
 
NOSELLA, Paolo. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro: ANPEd; Campinas: Autores Associados, v. 12, n. 34, p. 137-151, jan./abr. 2007.

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