Daniel Costa

06/01/2017 11h23
Nesta semana a coluna abre espaço para texto de autoria da bacharela em direito, publicitária e especialista em cinema, Marcela Freire.
 
Nestes dias de debates sobre mensagens racistas, enquanto muitas pesso-as ainda se apegam a antigos preconceitos, é interessante dar uma olhada no melodrama do diretor Todd Haynes, Longe do Paraíso (Far from Heaven, 2002).
 
No filme, que se passa no ano de 1957, Cathy Whitaker (Julianne Moore) é uma dona de casa exemplar vivendo o sonho americano: mora em um idílico subúrbio, tem um casal de filhos saudáveis e um marido bonito e bem sucedido (interpretado por Dennis Quaid). Mas até mesmo Cathy em toda sua benevolên-cia, nota o distanciamento do esposo Frank e logo faz a chocante descoberta de que ele é gay.
 
Como isso não era lá coisa a ser falada abertamente ou muito menos as-sumida, Frank procura um médico que possa “curar” sua homossexualidade. O “tratamento”, porém, desgasta ainda mais o relacionamento do casal. No ápice da angústia, Cathy encontra um ombro amigo em Raymond Deagan (Dennis Haysbert), seu jardineiro. Raymond é charmoso, bem educado e sensível. Ele é também negro, o que torna a amizade dos dois intolerável dentro da comunidade onde vivem.
 
Apesar dos ingredientes para um drama teatral e do rótulo de melodrama, Longe do Paraíso não tende ao exagero. O filme é uma habilidosa homenagem aos sofisticados melodramas da década de 50, dirigidos por Douglas Sirk, como Tudo que o Céu Permite (1955).
 
Por isso, a história quase folhetinesca, o figurino elegante e a suntuosa fotografia, cheia de contrastes de cores, ao invés de criarem um efeito sentimen-taloide, servem como ferramentas para expor as tensões de uma sociedade ex-tremamente preconceituosa e hermética.
 
Sem os limites impostos pela censura e costumes dos anos 50 que Sirk enfrentou, o diretor Todd Haynes pôde fazer neste longa uma leitura sensível e complexa sobre a tirania do racismo e da discriminação. Longe do Paraíso destrói também o clássico “no meu tempo isso não existia”, dando uma alfinetada nos nostálgicos e nas ilusões de que o passado era mais simples.
 
Em um elegante puxão de orelha, o filme rebate o “antigamente tudo era melhor” com a pergunta: melhor para quem?

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