Daniel Costa

02/12/2016 11h26
"É difícil. Era um momento de muita alegria. Ele iria disputar uma final e estava muito feliz pelo momento que vivia. Até agora não estamos acreditando. O Matheus tinha 21 anos, e o filho dele  nasceu agora, tem 4 meses. Estamos torcendo para o nome dele sair dessa lista de mortos. Estou na casa da minha mãe com a minha família. Estamos esperando alguém mandar uma notícia concreta. Não queremos acreditar e esperamos por um milagre", disse, por telefone, entre lágrimas, o familiar de um dos jogadores da Chapecoense à apresentadora global Fátima Bernardes. 
 
"Mulheres de jogadores desmaiam, outras seguram chuteiras", é a cha-mada da BBC Brasil. “Goleiro que sobreviveu a acidente teve perna amputada”, estam-pa o jornal Tribuna do Norte. 
 
Aí uma pequena amostra de como, em geral, a imprensa brasileira se descontrola diante de mais uma tragédia que se abateu sobre os conterrâneos. Desde a madrugada, os jornais impressos e os canais televisivos suspenderam as suas rotinas para ficarem a repetir as mesmas informações sobre o acontecimento. E como a matéria jornalística se esgota pela inexistência de mais elementos, as produções ficam a entre-vistar parentes, amigos e conhecidos dos vitimados, incentivando, de certo modo, a vi-são do choro compulsivo, do sofrimento e do desespero que se apoderam dos parentes dos mortos. Um festival de desrespeito aos entes que tanto sofrem. 
 
Há alguns anos, quando do acidente que acabou com muitas vidas no Atlânti-co, na queda do avião que fazia a rota Rio/Paris, o clima  gerado na imprensa brasileira foi igual ao que se está vendo hoje. Na época, chamou a atenção o depoimento de um jornalista, que estava na França, estranhando a pouca cobertura da mídia local a respeito do desastre, que limitava-se a notícias sobre o evento, não indo à busca do clima de consternação que dominou os tablóides brasileiros por mais de uma semana, e que fize-ram da tragédia um exagero reprovável, grosseiro e desonesto sob todos os aspectos.  
 
Na realidade, parece bem visível que o que essa imprensa procura é audiência, e não se solidarizar com aqueles que suportam os efeitos da tragédia. É o sensacionalismo no seu estado mais estúpido. O jornalismo abutre de que fala o filme " Nightcrawler ", ávido por mostrar imagens e depoimentos chocantes, que aumentam as tiragens e que fazem subir alguns pontos nos índices de audiência, no melhor estilo da velha máxima que circula entre os jornalistas americanos: "if it bleeds, it leads". Se sangrar, é manchete.   
 
Por sua vez, as pessoas, através do binóculo da mídia, querem participar da miséria dos outros para, de longe, ter a sensação de que ao menos dessa vez elas escapa-ram. Santo Agostinho, na sua obra "Confissões", perguntou: "Por que quer o homem condoer-se ao contemplar coisas tristes, trágicas, que de modo algum gostaria de supor-tar? Amamos as lágrimas e a dor? Sem dúvida que todo homem busca o gozo; mas como não agrada a ninguém ser miserável, e sendo grato a todos ser misericordioso, e como a piedade é inseparável da dor, não seria esta a causa verdadeira para que apreciemos essas emoções dolorosas?". 
 
Talvez sim. É o que parece indicar a atuação dos jornais na tragédia da Chape-coense, que faturam dólares e mais dólares ao capturar telespectadores ora piedosos, ora sedentos por sangue, lágrimas e dor. 

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