Andrezza Tavares

01/12/2016 14h44
Escrito pela Profa. Dra. Andrezza M. B. do N. Tavares e pelo Prof. Mstd. Ivickson Ricardo de Miranda
 
O presente texto, recorte da dissertação de mestrado de nosso orientando Ivickson Ricardo de Miranda Cavalcanti, tem como objetivo mostrar os entraves e retrocessosrelacionados às políticas públicas de educação profissional destinadas às  populações do campo nos séculos XX e XXI, haja vista a presença constante de uma hegemonia industrial/agrária na composição do estado brasileiro. Isso faz com que, historicamente, prevaleça na formação do trabalhador do campo um paradigma de educaçãorural , tecnicista e  descontextualizado de sua realidade concreta ; um modelo calcado no dualismo entre educação e trabalho e inverso à uma legítima educação profissional do campo, na qual se pressupõe   o trabalho como princípio educativo e a formação humana integral.
 
A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR DO CAMPO E O DUALISMO ENTRE EDUCAÇÃO E TRABALHO 
 
A educação tradicional rural, historicamente no Brasil, tem sido imposta como única alternativa de educação para o trabalhador do campo erepresenta os interesses de um bloco industrial agrário que por décadas detém o controle da máquina estatal e consequentemente o controle ideológico da sociedade civil, garantido para o país um desenvolvimento industrial conservador, apenas compartilhado pelas elites, e no qual o trabalhador do campo e das cidades se encontra excluído. Dentro dessa realidade as escolas rurais aparecem como aparelho de reprodução ideológica da classe hegemônica e se distanciam do mundo da vida do camponês em sua diversidade; do pescador, do ribeirinho, do indígena e do quilombola. Na escola rural a dicotomia entre trabalho e educação reflete a dicotomia entre meio urbano - associado à modernidade e desenvolvimento - e rural - ao que é atrasado e rudimentar - que preserva e alimenta a lógica da concentração de terra coroando o que Galeano (2010) chama de uma Agrária reforma – a reforma agrária ao contrário - quando “os expulsos da terra vegetam nos subúrbios das grandes cidades tentando consumir o que antes produziam (ibid, p.14).
 
A priori, a preocupação em se controlar o inchaço das cidades por meio da educação rural se deu durante o processo migratório da década de 1920, onde os trabalhadores rurais impulsionados pela possibilidade de melhores condições de trabalho procuravam os primeiros nichos de industrialização do país.Não obstante, a partir da década de 1950 começa a se consolidar de fato a indústria nacional e a modernização do campo sob os auspícios da união entre o latifúndio e o empresariado industrial urbano emergente. Devido à desapropriação de suas terras e aniquilamento de suas relações de trabalho que se dá no processo de expansão do grande capital, entre 1960 e 1980 cerca de 27 milhões de pessoas deixavam seus lugares de origem no campo rumo às periferias das grandes cidades (DOLL, apud CALDART, p.408). Uma das  soluções para conter o inchaço e problemas sociais nos centros urbanos era manter o trabalhador rural no campo, de forma subserviente a um bloco industrial agrário, e para isso, a escola como aparato ideológico desta hegemonia estava fadada ao tecnicismo rural ou ao abandono em diretrizes educacionais urbanocêntricas  desvinculadas das suas necessidades e relações de trabalho tradicionais causando desinteresse e desistência escolar.  
 
Sobre as origens da educação rural, afirma Leite:
 
A Educação Rural no Brasil, por motivos sócio-culturais, sempre foi relegada a planos inferiores e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do processo educacional aqui instalada pelos jesuítas e a interpretação política ideológica da oligarquia agrária conhecida popularmente na expressão: ‘gente da roça não carece de estudos. Isto é coisa de gente da cidade’(2002, p.28 ).     
 
Indicadores sociais como os de analfabetismo, pobreza e desemprego sempre foram utilizados na formulação e na implementação de políticas de educação rural financiadas por organizações internacionais como o Banco Mundial e em nome de um desenvolvimento social e econômico interessante à elite industrial agrária.No contexto neoliberal esse desenvolvimento se estabelece na precarização da educação básica contextualizada e de qualidade em detrimento à qualificação técnica. Exemplos dessa prática estão presentes em políticas como o Projeto de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal (PROMUNICÍPIO) na década de 1970 e o Programa de Educação Básica para o Nordeste Brasileiro (EDURURAL) na década de 1980. 
 
Não obstante, uma análise sobre estes indicadores sociais já no início do século XXI demonstra a impossibilidade de alcance da efetividade social dessas políticas de educação rural . Segundo dados do Instituto Brasileiro de geografia e Estatística (IBGE) (2003) o quantitativo da população que vive no campo passou de 63,8% em 1950 para 15,54% em 2010. Por sua vez, grande parcela destas pessoas, sobretudo devido à permanência da desigualdade na distribuição de terras - donde destaca-se o protagonismo do agronegócio - têm que se submeter ao trabalho precário. O fato é que, como consequência de todo esse longo processo, os indicadores mostram ainda uma existência significativa e preocupante em relação à situação informal e precária do trabalhador do campo. Pesquisas realizadas pelo Departamento Intersindical de Estatística e estudos Socioeconômicos (DIEESE) (2014) apontam que 59% ou 2,4 milhões não têm carteira assinada e grande maioria está sujeita ao emprego sazonal oferecido pelo agronegócio que os contratam através de empresas terceirizadas. A escolaridade desses trabalhadores é baixa, sendo que 39,3% (seis milhões de assalariados) com nenhum, ou no máximo três anos de estudo. 
 
Apesar dos avanços sociais das últimas décadas-possibilitado  pela pressão dos movimentos sociais do campo  -  onde pôde-se  perceber uma maior atenção por parte do governo aos movimentos sociais,  à Educação do Campo e às questões relacionadas à diversidade - exemplo disso é a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Social (SECADI) ,  no que diz respeito à educação profissional para os trabalhadores do campo ainda persistem medidas neoliberais que acusam a presença ainda marcante no seio do estado de uma  hegemonia industrial agrária. 
 
O fato é que as medidas educacionais estatais realmente efetivas para os povos do campo acabam se tornando um incômodo aos interesses de uma elite capitalista agrária que se desenvolveu nas malhas da união entre o latifúndio e a indústria, e que compartilham do principal interesse do agronegócio: a defesa da concentração de terra e o Estado mínimo, diga-se de passagem neste último caso, não ao que diz respeito à proteção dos seus interesses.
 
Bruno, Lacerda e Carneiro (in CALDART, 2012) apontam que as classes dominantes do campo, especificamente, os proprietários de terra, os empresários rurais e do (agronegócio, frequentemente apresentam interesses conflitantes relacionados, por exemplo, à disputa pela primazia da representação de classe, mas, “[...] quando se sentem ameaçados em seus privilégios e interesses comuns como é o caso da defesa da concentração de terras, todos se unem, pois sabem que a união é condição primeira da reprodução social e do exercício da dominação e da exploração” (BRUNO; LACERDA; CARNEIRO in CALDART et al, 2012, p.522).
 
Na defesa dos interesses do patronato rural estão as organizações, tais como a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), sem falar no próprio Congresso Nacional através da bancada ruralista. As representações políticas do campo ainda são em sua grande maioria composta dessa classe hegemônica. Esta é a classe que tem se beneficiado das políticas de Educação rural no campo, especificamente pela dissociação entre trabalho e educação.)
 
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DO CAMPO OU NO CAMPO?
 
Na atualidade, o carro chefe no que diz respeito às políticas públicas de Educação Profissional do Campo consiste nos cursos aligeirados do Programa nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego(PRONATEC/CAMPO), que são executados em sua grande maioria pelo Serviço nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) – braço do Sistema S ligado à Confederação Nacional de Agricultura – e pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. O primeiro está voltado à formação de um exército industrial de reserva para o agronegócio, e os últimos, enfrentam sérios problemas no que diz respeito ao envolvimento, formação e contratação de profissionais preparados para lidar criticamente com as demandas da Educação do Campo.
 
A tensão entre as referências do campo e da cidade está presente também na análise que o secretário da Contag (Confederação dos Trabalhadores na Agricultura) faz do papel dos IFs nesse cenário. Os profissionais que estão nos IFs são formados pelo modelo de educação que está aí, olham para o centro urbano. A grande maioria não tem a capacidade de fazer a crítica ao atual modelo de agricultura, de focar na agroecologia por exemplo. Não é qualquer profissional que está preparado para dar aula no campo, diz José Wilson. Mas completa: houve uma expansão significativa da rede federal, e nós temos que ocupar esses espaços. Eles não podem estar a serviço do agronegócio (GUIMARÃES, 2015, p.7).
 
Segundo a oficina de planejamento do Forum Nacional de Educação do CampoFONEC 2013 – 2014 o PRONATEC/CAMPO, ou mesmo PRONATEC de forma geral, trata-se de uma política imposta sem tempo, nem possibilidade de discussão do conteúdo nem da forma. É um Programa constituído de cursos de capacitação que desconsideram a história em cada contexto (2013-2014, p. 5). O documento ainda aponta a relevância do programa para os interesses privatistas que têm como um dos objetivos o enfraquecimento das discussões do acesso aos cursos técnicos com escolarização. Por fim, admite que uma “inserção” que leva em conta a capacidade técnica não é senão “restrita ao mundo da economia e no patamar da subalternidade” (ibid).
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
As políticas públicas de educação rural do século XX têm contribuído para fortalecer o bloco hegemônico capitalista industrial-agrário que se desenvolve no Brasil. O latifúndio se reestrutura ao mesmo passo do capitalismo, que em sua mais recente configuração financeira e informacional, vem transformando a atividade agrícola em um dos sistemas do agronegócio. A desapropriação da terra do homem pobre do campo perpassa por todo um aparato ideológico desde a manipulação midiática até a produção do conhecimento, seja esta última, principalmente, pela reprodução de um modelo educacional urbanocêntrico que força o isolamento e fechamento das escolas ou a transforma em locus de produção de trabalho precário.
 
Por fim pode-se inferir que a falta de políticas públicas estatais em relação ao Ensino básico Integrado ao técnico que corresponda à realidade das comunidades campesinas em detrimento da persistência e prioridade no que diz respeito à implantação de cursos aligeirados e mercadológicos como o PRONATECCAMPO revela, apesar dos avanços sociais observados na última década, a presença ainda marcante desse bloco industrial agrário na máquina estatal, e mais grave, são forças hegemônicas que se instauram em meio ao conjunto de políticas e práticas de cunho contra-hegemônico que se formam em torno da Educação do Campo.
 
REFERÊNCIAS
 
BRASIL. Programa Nacional de Apoio ao Ensino Técnico e ao Emprego (PRONATEC). Brasília: MEC, 2015.
 
CALDART, Roseli Salete et al. Dicionário da educação do campo. Rio de Janeiro e São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.
 
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Tradução de Sérgio Faraco. Porto Alegre: RS: L&PM POCKET, 2015
 
Instituto Brasileiro de geografia e Estatísticas. Estatísticas do século XX. Rio de Janeiro: IBGE, 2003. Disponível em: http: //www.ibge.gov.br/home/estatistica/população/Acesso em: 13 Abr. 2016.
 
LEAL, Leila; JÚLIA, Raquel. Escolas rurais no Brasil: um retrato. Jornal Brasil de Fato, ano 21, out. 2010. 
 
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. 2. ed. São Paulo:Cortez, 2002.  
 
UFRR. Forum Nacional de Educação do Campo (FONEC). Relatório do Forum Nacional de Educação do Campo: oficina de planejamento. 2013-1014. Boa Vista.  Disponível em : http://ufrr.br/leducarr/index.php?option=com_content&view=article&id=50:relatorio-do-forum-nacional-de-educacao-do-campo. Acesso em : 13/04/2016 

 


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