Cefas Carvalho

16/11/2016 15h04
A vitória do candidato Republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, surpreendeu e chocou o mundo. Não é por menos. Além de Trump significar o que de pior existe no americano (e no ser humano, por assim dizer) com sua misoginia, sexismo, machismo, racismo, xenofobia e elitismo, a mídia e as pesquisas devam como certa a vitória da democrata Hillary Clinton.
 
Passado o choque inicial, vem a hora das análises e das expectativas. Muita gente lembrou que Trump acabou vencendo pela cultura da hegemonia supremacista e pela saída óbvia pra crise econômica, enaltecendo os "valores americanos".
 
Segundo o amigo professor universitário Antonino Condorelli, "Trump ganhou porque conseguiu os votos dos brancos - mulheres e homens - sem ensino superior, muitos dos quais tinham migrados para Obama na eleição anterior. Mulheres pobres, negros e latinos votaram majoritariamente em Hillary, mas isso não foi suficiente". 
 
Reportagem recente muito bem feita do El País registrou que o chamado "americano médio", aquele branco-hétero-classe média vem há tempos se sentindo discriminado e se voltou em peso para Trump e sua proposta contra mexicanos-imigrantes-islâmicos-feministas-homossexuais de maneira geral ou em alguns casos implícita, mas, bastante clara.
 
Podemos aplicar esse raciocínio nas eleições aqui no Brasil. Em pelo menos dois casos, aconteceram processos semelhantes: eleição do empresário "não-político" João Dória, em São Paulo e do bispo da Igreja Universal Marcelo Crivella, no Rio de Janeiro.
 
A insatisfação da população - no Brasil, nos EUA, na Conchinchina - com os chamados "políticos profissionais" vem levando "não políticos" ao poder. Tanto que Trump e Dória usaram essas expressões à exaustão. Sempre enfatizando que o fato de serem ricos não os levaria à tentação de "roubar dinheiro público". 
 
Crivella, no Rio, já fez parte de um fenômeno mais amplo: o crescimento do movimento evangélico neo-pentecostal. Mas, também teve um coeficiente importante que existiu em Sampa e nos EUA e que analisaremos agora.
 
Uma parte considerável do eleitorado no Brasil e nos EUA, o homem-branco-hétero-classe média que via de regra é hegemônico historicamente, começou a se colocar na posição de minoria. Mais que isso, de vítima, exercendo a chamada cultura do "mimimi" que ele próprio critica nas minorias históricas (gays, negros, imigrantes) e populações historicamente oprimidas (mulheres, em especial feministas).
 
Esse tema dá pano para a manga de outro texto, mas, por ora, fiquemos no seguinte raciocínio: esta parcela da população (homem-branco-hétero) que é maioria, resolveu se colocar como minoria, logo, com estratégias de minoria, como ativismo nas redes, militância e voto direcionado em quem levanta suas bandeiras.
 
Lembrando que neste perfil coloca-se este homem-branco-hétero como conservador-tradicionalista, claro. Que não vê com bons olhos avanços sociais de uma parte da população que ele, explicita ou disfarçadamente gostaria de ver "colocado em seu devido lugar".
 
Como registrou a matéria do El País, este grupo começou a questionar a suposta perda de direitos e privilégios seus para outros grupos (negros, mulheres, imigrantes). E se mobilizou para lutar contra suas (supostas) perdas 
 
Recordo que defensores de Crivella pediam que se votasse contra Freixo porque ele "quer ensinar nosso filhos a serem gays" (distorção do debate da identidade de gênero). E que em matéria da Globo News em comício de Trump um entrevistado dizia que os EUA precisavam de "um homem forte, com culhões (balls)" (ou seja, uma mulher, Hillary, não teria capacidade de gerir o país justamente por ser mulher).
 
Enfim, no caso de Trump a xenofobia veio para coroar o discurso e, para muita gente, foi o fator decisivo para a vitória do Republicano. "América para os americanos", bradou-se na campanha. Ou seja, o discurso de que "aquele imigrante está tomando o meu emprego" pode ter funcionado mais do que poderia se pensar. Novamente vemos a postura do americano médio (sim, o homem-branco-hétero, padrão Homer Simpson) que não aceita perder um emprego, uma vaga ou um suposto privilégio para uma mulher, um gay, um imigrante hispânico ou muçulmano. 
 
A vitória de Trump foi chocante e inesperada. Mas, pode ser analisada e compreendida. Assim como o caldo midiático-judicial-político que levou à vitória de gente como Dória e Crivella nas principais cidades brasileiras. 

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