Daniel Costa

26/09/2016 08h10
Como você será visto no futuro? Essa é uma pergunta que pode ser incômoda para um bocado de gente, principalmente para aquelas pessoas públicas, que correm o risco de ter os seus nomes estampados nos livros de história. Não falo de um futuro distante, quando todos nós já estaremos resumidos a pó de sepultura. Na realidade, refiro-me a um tempo mais próximo, contável em termos de gerações. Tempo em que o sujeito ainda estará vivo, mas já distante da arena dos fatos que escreve a sua biografia social. 
 
Uma luz neon deve piscar nos cérebros dessa turma, como um alerta a dizer que é hora de pisar no freio e refletir sobre as consequências  dos seus atos e das suas palavras. "Amigo velho, tenha cuidado, é assim que você quer ser visto pelos seus netos?". 
 
Alguns jornalistas de renome nacional devem estar pensando nisso agora, razão pela qual muitos deles começaram a pular do barco dos aconteci-mentos para negociar com a sua biografia. Críticos do governo Dilma, que até anteontem silenciavam sobre a emboscada que levou a sua derrubada do poder central - algo que ficou claro feito água depois dos diálogos premonitórios entre Machado e Jucá - agora já começam a mudar o toque do piano, suavizando nas teclas para falar em "pouco crime para muita responsabilidade",  que o negócio não era pra ser assim, que o governo era ineficiente mas foi destituído por vias tortas e coisa e tal.  
 
Outros, como o jornalista Mário Sérgio Conti, já caminhavam em direção diversa há algum tempo, antes do impeachment.  Ele é um bom exemplo do sujeito conservador que está preocupado com a história que será contada para os seus netinhos. Por isso, ainda que a sua vida como periodista da Globo, da Veja e da Folha de São Paulo seja altamente antiprogressista, ele não se furtou em falar de " golpe gambiarra"; "pelotão de fuzilamento da casta que quer exercer o poder sem ter tido votos"; "legalidade frágil"; "evidências manipuláveis"; "democracia drone"; "parlamentares corruptos que julgaram, e voltarão a julgar, uma presidente contra a qual não se achou nada". E "que para que a derrubada de Dilma aparente ter sido justa, e para que a corriola que a abateu se diga implacável com os corruptos, o Brasil é instado a crer que a cassação de Cunha é histórica".
 
É bem possível que esses quase arrependidos tenham se lembrado de colegas de profissão  como Albert Dines, que depois de tisnado com a marca de apoiador do golpe de 64, nunca mais se livrou dessa pecha, manchando a sua biografia para além do túmulo. Ou até mesmo que estejam se espelhando em Carlos Heitor Cony, que depois de ajudar a escrever os editoriais "Basta!" e "Fora!" publicados no Correio Brasiliense, clamando pela deposição de João Goulart, se arrependeu logo na primeira semana de abril, antevendo a tragédia da ditadura. 
 
Enfim, a fileira dos homens públicos flanando com o arrependimento  parece prestes a crescer, provavelmente porque ninguém quer ser incomodado pelo futuro. O que não deixa de causar um certo alento, principalmente quando se teem visto velhos adeptos de Collor, Aécio Neves, Paulo Maluf e Micarla de Souza, cantando vitória sem olhar dois palmos à frente. 

 


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