Daniel Costa

19/08/2016 07h00
Eu queria ficar na minha, sem muito papo, numa daquelas de aproveitar o ambiente pra fazer meditação. Sentar num tamborete do bar como um forasteiro, da mesma forma que aconteceu quando eu apareci no Gringo's pela primeira vez, em busca do silêncio da noite e do calor dos desconhecidos que amargam suas solidões particulares numa mesa de boteco. E foi assim que sucedeu naquela noite. E foi quase como que ganhar na loteria. 
 
Não é que eu não goste de pessoas. Curto conversas afinadas com sujeitos etilicamente agradáveis, principalmente depois da terceira dose de Jack Daniel's. Porém, têm dias que eu sinto uma irresistível vontade de ficar só, remoendo pensamentos num lugar acolhedor. Minha esposa detesta isso. Mas o que é que eu posso fazer? Cada um tem as suas manias. E acho que isso faz mesmo parte do meu ser. Vez por outra tenho essa necessidade de me parecer invisível no meio da multidão. Não sei se dá pra entender. Talvez seja algo relacionado ao temperamento familiar. Minha irmã mais nova se diverte passando dias inteiros trancada no quarto assistindo aos filmes do Victor Fleming. E o meu pai é bem capaz de conseguir ficar 48 horas deitado numa rede, só ouvindo o mugido dos bois e o sibilar de um galo de campina.  Já o meu amigo Fernandão leva o lance da solidão ao extremo. O cara vai a lugares barulhentíssimos, em que o som do Black Sabbath é quase como um canto gregoriano. E fica horas e horas, acompanhado de sua cerveja, com jornais e revistas sobre uma mesa claudicante, lendo a última edição da Piauí ou da Rolling Stones. 
 
Eu não chego a tanto. Mas confesso que quando estou no Montana Café, acompanhado de um livro tipo A Guerra Não Tem Rosto de Mulher, o barulho só me chega em vagas ondas. Sorvo uns goles de capuccino, mastigo três pães de queijo, e fico tranquilamente, eu com meu mundo literário, a refletir sobre as coisas da vida, sem quase me dar conta dos cin-co garotos nerds que gritam na mesa ao lado durante uma partida de RPG.
 
Mas, como eu ia dizendo, passei uma noite tranquila absorvendo o meu uisquinho taciturnamente, vendo figuras solitárias, que pareciam saídas de um dos filmes de Ingmar Bergman, circular entre a sinuca e o balcão, enquanto o vocalista da banda do Horroroso grasnava como o Joe Strummer, realizando uma dancinha divertidíssima, feito um índio Apache que pede chuva aos espíritos da terra. E eu fiquei lá, no balcão do bar, pela madrugada, travando um monólogo interno com os  meus velhos medos. 
 

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