Valério Mesquita

04/06/2016 13h33
Hoje peço licença para passar com a minha saudade. Dia sete de abril transcorreu aniversário do falecimento de Nair de Andrade Mesquita. Um ser simples que amava as flores e os humildes de sua cidade. Todos da família foram confortados pela força divina da sua longevidade: 103 anos. Jamais esqueceremos, naquelas horas difíceis, da expressão de tristeza estampada na fisionomia dos amigos de perto e da distância.
 
Quando não sou mais emoção mas somente saudade, resolvi escrever para ainda agradecer e reviver a solidariedade de várias  pessoas, de mensagens, de forma pública em nome da família. Aos médicos do Hospital do Coração que a assistiram por mais de trinta dias na pessoa do dr. Elmano Marques e a equipe de assistentes e enfermeiros. Relembrar e estender a gratidão as enfermeiras Ana Néri, Graça, Priscila e Cecília, que dias e noites, serviram a minha mãe por mais de dois anos em sua casa, com dedicação e afeto especial a paciente.
 
Não há força mais dramática na passagem do ser humano pela vida do que a do senso trágico da sua própria brevidade. Partilhei com a minha mãe todas as emoções de sua velhice. Os seus repentes, as suas fragilidades e, acima de tudo, o patrimônio indescartável de suas lembranças. “Meu filho, a velhice é um fracasso”, queixava-se sob o peso de suas deficiências. Ao me ver cercado de amigos, conversando política, arriscava um prognóstico incontestável: “O Partido Social Democrático (PSD) nunca perdeu uma eleição. Eu e Mesquita demos aqui em Macaíba brilhantes vitórias. E como está esse ano?”. Era a heroína política anônima, ainda crédula na grandeza do último milagre do velho PSD de 1947, revivendo e reinventando as emoções limpas e as ilusões que um dia viajariam com ela.
 
Recordo a semana de ansiedade que antecedeu a sua partida. Os últimos quinze dias de sua hospitalização foram de incertezas. Fui a Macaíba resolver problemas da administração da sua casa à rua Francisco da Cruz. Ao chegar ao portão senti emoção estranha e compulsiva ao contemplar o jardim. Parecia que as flores perguntavam por ela. Não me contive. As rosas me observavam interrogativas. O silêncio da casa era perturbador. Ela estava ausente. Na cadeira vazia onde permanentemente ficava. À mesa das refeições onde brindava comigo: “Viva o PSD. Comunismo prá lá...!”. Ouvi os ecos das antigas canções povoando a casa nos momentos de sua inocente alegria de anciã. Tudo parecia pedir a sua volta como flor mais antiga e bela do jardim das recordações. Reguei com as minhas lágrimas todo aquele desfile de imagens e emoções. A sua presença ainda continua hoje na casa onde residiu por quase toda a vida. O seu quarto exalava ainda o cheiro forte da colônia do último banho. Saí às pressas para não sofrer mais.
 
Relembro que ao voltar para o hospital o seu estado permanecia inalterado. Já não falava nem distinguia os presentes. Seus olhinhos miúdos se fecharam. Só o coração resistia as falhas descontinuas dos rins e o pulmão. Daí, na manhã do dia sete, às onze e vinte, estávamos no apartamento, Nídia e eu, quando assistimos o desenlace. Os urgentes socorros médicos do cardiologista dr. Crescêncio, dedicado amigo, foram insuficientes para reabilitar a paciente. Faleceu antes do meio dia.
 
Posso dizer que ela foi uma unanimidade em Macaíba apesar de ter sido esposa e mãe de político. Conviveu com as turbulências das campanhas sem nunca haver inimizades. Cumprimentava todos e nunca mereceu a reprovação nem do esposo nem dos filhos. Essa procissão de relembranças resgata os dois, Alfredo e Nair, chamas votivas de uma saudade imorredoura. Dia 30 e 23 de maio Nair e Alfredo Mesquita, completariam respectivamente 116 anos.

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