Cefas Carvalho

28/05/2016 11h38

Citado por parte da imprensa internacional como um dos favoritos para ser premiado no Festival de Cinema de Cannes neste domingo, 22, o longa brasileiro "Aquarius", dirigido pelo pernambucano Kléber Mendonça Filho não ganhou nenhum prêmio a exemplo dos outros dois favoritos, o americano "Paterson", de Jim Jarmush e o alemão "Toni Edermann". O filme "I, Daniel Blake", do diretor Ken Loach, recebeu a Palma de Ouro. A filipina Jaclyn Jose recebeu o prêmio de melhor atriz por “Ma’Rosa”, premiação na qual Sônia Braga estava bastante cotada.

Até aí, nenhum  problema. Em um festival com 20 filmes de qualidade, ganhar ou perder são duas faces da mesma moeda, que é estar lá em um festival como Cannes, com sua visibilidade, seu glamour, sua sintonia com o mercado e com os distribuidores.

O que está me fascinando e até certo ponto me surpreendendo é o recalque-revolta dos internautas "antiPT" contra o filme.

De comentários ofendendo o filme e sua equipe até a descredibilização de um ícone como Sônia Braga, passando pelos memes habituais, um turbilhão de ódio que envolve não o filme em si, que ninguém viu, salvo os jurados de Cannes, claro, mas a postura de Kléber e elenco contra o golpe no Brasil em plena croisette, pouco antes da exibição do longa.

Protesto aplaudido pela plateia e críticos na sala de exibição, como se pode ver nos vídeos. E que teve ampla repercussão  - positiva - na imprensa internacional, com a foto do protesto do elenco na capa do inglês The Guardian.

A sequência de chiliques começou com o cronista-mor da Direita, Reinaldo Azevedo, tradicional poço de ódio que conclamou em sua coluna na Veja boicote ao filme devido ao posicionamento da sua equipe.

A, digamos, campanha provocou reações bem humoradas na net, afinal de contas, o público para qual Reinaldo se dirige simplesmente não assiste filmes nacionais que não sejam da Globo Filmes, não conhecem o cinema pernambucano e não viram "O som ao redor", belíssimo primeiro filme do diretor.

Enfim, como disseram no terreno sem amarras da web, "um boicote para pessoas não assistirem um filme na qual elas jamais assistiriam em nenhum circunstância".

Aí deparo com amigos e jornalistas culturais embebidos da pauta antiPT esculachando o filme -  que, repito, ninguém viu, salvo os jornalistas de cinema e jurados do festival - e descredibilizando Kléber e elenco, que devem estar muito preocupados com os haters, já que o filme tem distribuição garantida em pelo menos 20 países após a bela acolhida em Cannes, sem contar que já passa a constar nas pré-listas de prêmios como Globo de Ouro e Oscar. Nada mal para o cinema pernambucano (de filmes recentes maravilhosos como "Tatuagem", "Amor, plástico e barulho" e os de Claudio Assis) que, antes mesmo do protesto, já era ignorado ou odiado pelas pessoas que hoje odeiam e "boicotam" o filme, seja lá o que isso quer dizer.

E, cá entre nós, comemorar o filme não ter vencido prêmios em Cannes é, como diz a expressão chula, gozar com o pau dos outros. Espécie de sentimento mesquinho e cabotino que este período político, infelizmente vem despertando nas pessoas mais insuspeitas.

Implacável, a internet já descobriu que o ator Finn James, da aclamada série Game of Thrones, postou em suas redes sociais crítica a Michel Temer e ao golpe do Brasil. E questionaram se os mesmos "boicotadores" de "Aquarius" vão boicotar a série.

"Aquarius" estreia no Brasil em outubro, talvez com a polêmica e sua garota-propaganda Reinaldo Azevedo, acabe estreando antes, para a sorte de quem gosta do cinema pernambucano e de cinema de qualidade. Que virá com o bônus de ter um diretor e elenco antenados com a realidade política do Brasil e que se posicionam quando há oportunidade.

E que sofrerá boicote de quem já não o assistiria.
 


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