Pinto Júnior

29/04/2016 11h12
Quando crianças, sonhamos em crescer e alcançar a maioridade. Parece uma eternidade este caminho a ser percorrido. Entretanto, depois que ficamos adultos, o tempo que antes andava feito tartaruga descamba ladeira abaixo feito automóvel sem freio. Tudo parece que foi ontem, mas já faz anos. Logo o indivíduo deixa de contar anos e passa a contar décadas de vida. Os sobrinhos que eram carregados nos braços agora fazem pós-graduação fora. Os filhos já nos ensinam.
 
Pensando bem, não sei porque insistimos em comemorar aniversário, se a cada dia de aniversário temos um ano a menos de vida. Mesmo assim, festejamos com bolo, música e velinhas. Todo ano acrescentamos uma velinha. Chega o momento em que já não cabem tantas velas no bolo, então a indústria inventou a vela em forma de um número. Mas, se for mulher, é melhor inventar que faltou vela no mercado. Se houver vela, que este assunto de idade não seja colocado, embora se comemore o aniversário.
 
Mas como sabemos que estamos ficando velhos se o tempo parece desembestado e tudo parece que foi ontem? É que velho só conta o que fez. O envelhecimento não é só no espelho diante de nossos olhos. São os olhos que não estão no espelho que percebem. O que se vê todos os dias traz a ilusão de permanecer igual. Levamos o filho todos os dias à escola, mas não percebemos que está crescendo. Já o primo dele que só vemos nas férias de final de ano, logo percebemos como cresceu. Quem não nos via há bastante tempo percebe quanto o tempo foi cruel: mas nos  abraça e diz que o tempo não passou. Quando saímos, registram o estrago de nossa pele. Se o tema é sobre data de nascimento, a amnésia toma conta de todos, ao mesmo tempo em que se celebra a juventude. Alguns apelam para além do esquecimento da data estampada no registro de nascimento. Então apelam para o bisturi.
 
A idade das pessoas não é da conta de ninguém. Perguntar a idade das pessoas é um vexame. Mas quem disse que para saber a idade das pessoas precisa perguntar. Basta ouvi-las enquanto toma um caldo de cana na praça Paz de Deus. Se o cara lembra do Governo Militar, se disse que lutou contra a ditadura ou que dela tem saudade, se o cara fala que viveu as Diretas Já... Pronto, já não é jovem. Se votou em 1989 em Lula ou em Collor no segundo turno das eleições presidenciais, também não é tão jovem. Se refere-se a o IFRN como CEFET, ainda não está tão maduro... mas se chama de Escola de Aprendizes Artífices, já é cliente do INSS. Se chama o VLT (àquele transporte que sai próximo ao portão da Base em Parnamirim e vai até Ceará-Mirim) de trem, já não é jovem; mas se chama de Maria Fumaça... é porque a viagem vem de longe. Se lembra da estação que já não existe, está distante da adolescência. Se, empolgado, o indivíduo diz que tomou banho na Lagoa de Água Vermelha, no Vale do Sol... se lembra quando Santos Reis, ali onde fica o PH3, era Zona Rural... Pronto, entregou a idade. Ou então se a conversa registra que a Ayrton Senna já se chamou Estrada do Jiqui e que a Roberto Freire era Estrada de Ponta Negra... que em Ponta Negra se fazia piquenique ou que tem saudade das barracas na areia da praia... se ao se referir a Wilma de Faria como Wilma Maia... e se é do tempo em que a política era travada entre a bandeira verde e a bandeira vermelha, pronto!
 
O léxico identifica a idade. Se alguém fala em escrever numa Olivette tem idade diferente de quem escreve no smartphone. Este “bichinho” que cabe no menor bolso vale por um escritório, serve para fazer conta, fotografar, gravar, filmar, passar zap, despertar, anotar e até para ligar. Se o cara operou fax, não é nenhum adolescente.  Se frequentou cinemas fora de shopping centers e assistiu apresentação de forró na casa de Show Mandacaru já viu muitas flores lá na cerca.
 
 Ah, o tempo. Este ninguém segura. É feito palavra dita, flecha lançada, página de calendário arrancada. Sempre que apagamos uma velinha a mais, também nos apagamos um pouco mais. Afinal, do alto de nossa arrogância de cada dia, não passamos disto, de uma precária velinha acesa sujeita as ventanias do tempo. Como não dá para enfrentar a realidade imutável, então cantamos, oferecemos parabéns! Quem sabe a velinha continua acesa. Afinal, o melhor que pode acontecer é virarmos dependentes, feitos crianças, antes que a vela acabe. 

*ESTE CONTEÚDO É INDEPENDENTE E A RESPONSABILIDADE É DO SEU AUTOR (A).