Daniel Costa

14/08/2015 14h45
Nunca mais li os romances de Agatha Christie e de Stella Carr, que povoaram a minha cabeça no começo dos anos 90. Os seus enigmas perturbavam o sono até a penúltima página, quando eu finalmente descobria o autor dos assassinatos. Hoje, após ler o editorial do Globo intitulado "Manipulação do Congresso ultrapassa limites", me sinto novamente como um leitor de novela policial tentando desvendar o mistério. Afinal, qual é a intenção da família Marinho ao chamar de inconsequente a atuação dos tucanos e se dizer a favor da estabilidade institucional, quando até ontem bombardeava o Governo em apoio ao impeachment?  
 
Estou naquela situação do leitor que passou da metade do livro. Já tenho o nome de um bocado de suspeitos, mas sem nenhuma convicção de quem realmente cometeu o crime. Atualmente, vazia de força a tese da realização de novas eleições, o maior beneficiado com a saída da presidenta seria o PMDB. Michel Temer alcançaria a condição de chefe da República e, de lambuja, Renan e Cunha permaneceriam na presidência do Senado e da Câmara controlando com mãos ditatoriais as apurações da Operação Lava Jato. Qual, então, o interesse da grande mídia e dos partidos de oposição em dar continuidade ao golpe branco? Esperavam algum acordo político com o PMDB que até agora não chegou? A reunião entre Eduardo Cunha e os editores do Globo terá deixado nas entrelinhas que não haverá espaço para o PSDB “et caterva” no novo governo que foi imaginado?  Isso tudo terá sido mesmo o bastante para justificar o artigo de opinião que colocou o impeachment em ba-nho-maria?  
 
Pode ser. Mas talvez não seja nada disso. E a chave do editorial estaria num início de articulação das forças de esquerda. Na última semana, um estopim de reação pareceu despontar sob o slogan da defesa da democracia. O simbólico abraço ao instituto Lula e a organização de manifestações para o próximo dia 20 deixam entrever que a roda das correntes trabalhistas finalmente começará a girar. Será que um possível confronto e imagináveis atentados extremistas causam medo à Rede Globo? Ela entendeu que está se aproximando aquele momento em que o alpinista, no alto da montanha, não pode mais voltar atrás? 
 
Também não dá para descartar a possibilidade de o aparente recuo encontrar justificativa no velho e bom mercado. A crise política e a prisão de empresários graúdos é coisa que pode atingir financeiramente as Organizações Globo. O trecho do editorial que diz que a crise política turbina a crise econômica, ocasionando um provável rebaixamento do país para abaixo do “grau de investimento”, certamente fortalece esse raciocínio. Mas isso é suficiente para explicar a misteriosa reviravolta na opinião da família Marinho? E se tudo não passar de uma boia de salvamento jogada ao mar antes da tormenta? Depois de ajudar a atear fogo no navio da governabilidade, um editorial contra o impeachment, condenando os partidos de oposição, não seria um ótimo subterfúgio para evitar a futura vinculação do nome da Globo ao golpe paraguaio que está se desenhando? Será?  
Certeza mesmo só tenho uma: os bons romances policiais sempre dei-xam a solução dos crimes para o final. E ninguém até agora sabe quantas páginas contém esse "thriller". 
 

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